Mulheres Jogadas ao vento
Quando viajamos sozinhas num rio infindo sem a certeza de que desaguaremos num outro oceano ou outro mar. De repente perde-se a identidade do seu amor, surge a sensação de solidão e lhe muda completamente.
Quando já se estende os braços numa busca do vazio e a visão tem por limite o alcançável, e não se vê além do horizonte, quando um coração, já degenescente de uma vida gasta no insignificante, apenas oscila mecanicamente, como o pêndulo de um velho relógio, se agita calmamente, com as derradeiras pancadas, já parando completamente, deste se retirou a centelha da esperança.
Ainda que continuemos a fazer tudo o que fazíamos antes - sozinha - agora a solidão pesa como nunca pesou, se torna um fardo cruel. Almoçar sozinha em casa, no restaurante, assistir a novela, ao filme da tv, ter nesses personagens a identificação do eu. É a solidão e muitas mulheres já viveram isso, ainda vivem, e homens também.
Nada além de um louco pensamento, de um sentimento incerto, uma ilusão. São mulheres jogadas ao vento por seus companheiros, alguém que um dia as abraçou, as encontrou ou foi encontrado com sorrisos e afagos. Hoje, no silêncio de sua dor, transfigurada ela caminha, pára, quase desisti ou desisti. Anestesiada de tentar esquecer o que lhe aflige, recorda-se da outra mulher, aquela outrora amada, que desconhecemos o rosto, mas conhecemos a dor, porque sentimos um dia. Mulher que como um livro pode ser lida sem palavras, no simples olhar, no rosto cansado. Ela é um testemunho vivo de um abandono.
Mas a sensação de sentir-se só não é apenas uma possibilidade do momento, há alguém a sua espera. Esta fuga alivia a sensação de solidão, as lembranças lhe aguardam de braços abertos. Não! Não estou sozinha, não sou sozinha!
Quantas mulheres devem existir arremeçadas no caminho da solidão, levadas agora pelo vento da melancolia? Quantas destas tentam nas noites de um céu a libertação ou prender-se ainda mais? São Marias, Joanas, Martas, Luizas, Annes, Denizes, são tantas... Cada uma, escondendo segredos, paixões, desilusões, dúvidas, desejos. Quantas delas foram jogadas ao vento e se perderam sem jamais terem sido notadas? Quantas perderam seus sonhos aniquilados pelo sonho da felicidade de outros? São caminhos percorridos, tendo somente seu instinto como guia, temores resguardados pela tenuidade de um único verbo: Amar. Amar a quem? Aquele que já não a ama, ou que em nenhum momento a amou? São esperas, desvios, enganos, traições, implosões de desencontros.
Nossa percepção de solidão infelizmente ainda permanece enlaçada as convenções sociais. Quando se tem alguém, a vida não tem preconceitos, expõe-se sem a preocupação do que pensam os outros, lida-se com a solidão a dois com maturidade, afinal ninguém sabe, fica entre quatro paredes. Mas quando se está sozinha, abandonada, é como se todos pudessem enxergar as ausências que carregamos, como se todos apontassem na nossa direção: ela foi abandonada, está sozinha no cinema, na praça, no baile!
Não é verdade! Não se está realmente sozinha, tão pouco se é, aquela que não tem um amor, um marido, um namorado que lhe preencha a vida de afetos.
No momento em que se é jogada ao vento e que nos vemos perdidas, sem rumo. Que estas situações, estes sentimentos sirvam para nos encontramos com nosso próprio eu, com a mulher forte, adormecida, anestesiada dentro de cada uma de nós. E que reconheçamos que a perda é um fator comum no cotidiano, todos partimos um dia. Que o esquecimento é vívido quando a dor nos afeta a alma, mas que saibamos conviver com a ausência, encontrando dentro, no fundo da alma o motivo maior para permanecermos vivendo. Mesmo no insucesso, ainda projeta um sussurro, numa prece silenciosa. Eu não sou sozinha! Eu me amo!
Que o amor por nós mesmos, o tão afirmado amor-próprio, e que nos torna supremas neste caminho que é nosso e, portanto, nossa responsabilidade de trilhá-lo, nos possibilite semear a cada passo, a felicidade e, no seu final, o encontro com o amor verdadeiro, adormecido no íntimo de cada uma de nós.
Anne Monteiro