HOMEM QUE É HOMEM NÃO CHORA

Naquele belo dia em que o céu azul contrastava com nuvens branquíssimas, ele estava sentado no meio fio usando sua melhor roupa, olhando as crianças brincarem.

Completamente alheio a tudo, não ouvia os seus chamados para participar das brincadeiras. Nem deu atenção quando lhe chamaram uma, duas, três vezes.

Alguém toca em seu ombro e fala com carinho; _Vem... Vem se despedir da sua mãe. -

A sala era pequena, com cheiro de flores quase sufocante.

Dor, sofrimento, lágrimas, desespero, desmaios, sua mãe estava inerte no caixão, parecia um pesadelo terrível.

Aquilo não podia estar acontecendo, todos choravam se aproximou e disse para si: ‘Não vou chorar’ havia aprendido desde pequeno... "Homem que é homem não chora"

O ultimo adeus foi doloroso, muito desespero

Já no cemitério, procurou ficar sozinho, mas era impossível, havia muita gente. Uma mulher comentou com a outra:

_ Esta morta parece ser muito importante, faz tempo que não vejo tanta gente num enterro. –

A outra respondeu _ Ela é mulher de operário, é muito querida por todos, deixou sete filhos, o mais velho, ainda vai completar quatorze anos o caçula é bebê de colo.

Nossa!... O que vai ser destas crianças?... Falou a primeira mulher

A segunda disse: _ Os familiares querem levar as duas meninas pequenas, mas o pai não aceita, quer todos os filhos unidos –

Elas o chamaram perguntando: _ Você é o filho mais velho? - Ele respondeu secamente. _Não!... Sou o segundo –

Afastou-se delas, aqueles olhares de piedade, lhe faziam mal.

Novamente lhe chamaram para jogar uma pá de terra, agiu como um autômato, sem a mínima reação, novamente choro desespero, desmaios, aquela mulher ia fazer muita falta.

O retorno para o lar parecia tranquilo, mas ele estava para ter a pior noite da sua vida, ao chegar à sua casa, todos procuraram um canto para chorar, mas o seu choro não vinha.

Sentia-se seco vazio oco, o mundo se escurecera a casa pequena se transformou num abismo sem fim, um buraco indefinível, terrivelmente triste.

Sem a sua mãe, a vida perdera o sentido, perdeu o seu norte, o seu ponto de apoio.

Compreendia agora como ela era importante e fundamental em sua vida, mas não conseguia chorar e nem dormir, pesadelos terríveis e dolorosos transformou sua noite, não entendia o que tinha acontecido.

Mas a vida continua voltar para casa à tardezinha se transformou num martírio, enfrentar aquele vazio era por demais dolorosos.

Com o passar dos dias começou a ficar alheio a tudo andava a esmo gesticulando, praguejando em voz alta, não conseguia entender e nem chorar.

Estava à beira de um colapso nervoso, não tinham com quem desabafar, os companheiros do dia a dia pareciam muito felizes para dar atenção a suas lamurias.

Por isso andava sozinho, e numa dessas caminhadas foi maquinalmente andar sobre os trilhos do trem que passava próximo ao seu bairro.

Aquelas linhas de trem lhe exerciam um fascínio, saber o que vinha após a próxima curva era um mistério e até onde elas levavam, o mistério era maior ainda.

Lembrou-se das suas brincadeiras com os amigos, colocavam pedras sobre os trilhos para verem a composição passar e os trilhos ficarem cheios de pó, outras vezes colocavam cacos de vidros, para usarem o pó para passar na linha de pipas e papagaios a tradicional cerol ou cortante...

Mas e o perigo? Se de repente viesse o trem? Afinal estava andando sobre a linha, se sentia tão mal, que não tinha medo, tanto que nem ligou ao perceber que tinha companhia, alguém também andava a seu lado sobre os trilhos.

Caminharam um bom tempo em silêncio.

Aquela pessoa desconhecida lhe inspirava confiança, sabia que era uma mulher, mas não teve a menor curiosidade em saber quem era.

Uma voz suave e calma lhe perguntou _ Você esta muito triste não é? -

_ Sim... Foi à resposta. _ Eu sei por que, você esta triste, porque perdeu sua mãe não foi? - Mais uma vez respondeu, _ Sim. -

E falou: _ Ela não podia morrer, porque as pessoas boas morrem e as ruins ficam? -

Havia magoa em suas palavras. Aquela desconhecida com muita paciência na voz respondeu; _ É para o bem delas, mas todos nós vamos morrer um dia, por isso é muito importante dar o melhor de nós a quem amamos. -

Estas palavras lhe tocaram fundo. Vontade imensa de chorar envolveu seu interior.

A estranha continuou:

_ Porque você não chora? Vai lhe fazer bem... Desabafa você se sentirá melhor. -

_ Não... “Homem não chora” - Foi à resposta. Ela fez um pequeno silencio depois falou:

_ O choro faz parte da natureza humana, é isso que nos faz ter sentimentos, lhe ensinaram que chorar é sinal de fraqueza, mas eu lhe afirmo que as lagrimas na maioria das vezes é uma benção e os mais fortes também choram de alegria ou de tristeza. - Fez pequena pausa.

_ Se você tivesse a chance de falar com sua mãe?... O que lhe diria? -

Ele começou a responder, mas não aguentou mais segurar as lágrimas.

Falou em soluços: _ Eu lhe pediria perdão, porque fui um filho muito ruim, a fiz chorar muitas vezes. -

Então desabou em um choro convulsivo.

Neste momento pararam a caminhada e se sentaram em um banco de pedra que surgiu à beira da linha.

_ Isto: chora desabafa, alivia sua alma. - Dizia a voz feminina e lhe acariciava os cabelos, ele estava deitado em seu colo, e em prantos disse: _ Queria pedir perdão, mas não consegui. -

Ouviu então, uma voz cheia de ternura dizer;

_ Ela já te perdoou. E você a perdoa também? -

Ia retrucar que não tinha nada a perdoar, pois sua mãe fora boa demais, mas respondeu: _ Ela tem todo o perdão do meu coração... -

O dialogo terminou, aos poucos os soluços foram diminuindo, um grande alivio o envolveu parece que tinha tirado um peso terrível dos ombros.

Deitado em seu colo, percebeu que os olhos ficaram mais claros.

Reparou que o banco que estava sentado estava todo iluminado de uma cor diferente, forte e suave ao mesmo tempo, em volta havia muitas flores, de todas as cores e matizes, borboletas multicoloridas pássaros de plumagens belíssimas pairavam nos ares, o céu de um amarelado mesclado com um azul e branco lhe chamaram a atenção.

Viu pássaro enorme com um voo rasante, lhe cumprimentando.

Sentiu como se tivesse em outro mundo.

Pensou em levantar a cabeça para finalmente olhar o rosto da mulher, mas um sono profundo lhe tomou, e não conseguiu abrir os olhos, e então sonhou...

Estava novamente com sua mãe, ela fazendo o almoço com seu irmão caçula no colo e conversavam: _ Mãe posso trabalhar Igual ao meu irmão? _ Claro filho. - Foi à resposta.

_ Mas você já esta trabalhando, só de ficar cuidando das crianças, já me ajuda bastante, seu irmão mais velho também ajuda fazendo entregas de leite. -

E com um olhar carinhoso afirmou; _ Calma você terá muita chance de trabalhar para ganhar dinheiro.

Terá uma vida longa, trabalhará bastante, poderá conseguir o que quiser. -

_ Mãe não sei ainda o que vou ser quando crescer. - Ela sorriu feliz, _ Tenho certeza que se tornará um grande ser humano, o importante é ser bom e fazer o bem, lembre se sempre da bondade infinita de Deus -.

Ela olhava com infinita ternura para seus filhos.

Sentiu frio, despertou, olhou em volta, o banco luminoso e aquele jardim maravilhoso desapareceram, a linha de trem voltara ao normal, fria e escura, estava deitado no matagal à beira da linha.

Suas pernas começaram a coçar devido ao mato, estava sozinho não viu ninguém.

Quem seria aquela mulher? Seria sua mãe? Seria um anjo...?

Seu 6estomago começou a roncar de fome, se deu conta que estava muito longe de casa, tinha pela frente longa caminhada.

Mas uma alegria imensa o envolvia, a ternura o carinho que recebera da desconhecida, lhe fazia um enorme bem, ficou leve aliviado.

Novas energias surgiram dentro do seu interior, agora estava preparado para viver novamente.

Começou a cantarolar, compreendeu que vencer aquele vazio terrível que se transformara a sua casa, seria impossível.

Aprenderia a viver com ele. “Não há outra solução”, disse para si.

Apressou o passo, era a primeira vez, que voltava para casa, com alegria, depois daquele dia fatídico.

Olhou o céu, as primeiras estrelas surgiam no horizonte, falou em voz alta “Bendito desabafo” Ela tinha razão, às vezes chorar alivia a alma. -

Décadas se passaram.

É dia das mães

Todos comemoram. Procura ficar sozinho em seu quarto.

Ajoelha-se, olha para o alto, as palavras saem do coração.

_ Mãe, onde a Senhora estiver, receba neste momento o meu carinho, que Deus na sua bondade infinita te leve o meu agradecimento.

Sou um afortunado, pois tive a honra e a felicidade de ser teu filho, e receber teus carinhos cuidados e conselhos por mais de uma década. -

Grossas lágrimas dessem pelo seu rosto.

As enxuga, não é bom seus familiares saberem que estava chorando.

Afinal havia aprendido. “Homem que é homem não chora"