Teatro do absurdo
Ampliando os horizontes de pesquisa do grande Stanislaw Ponte Preta que está no céu preparando mais uma edição do seu Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País, conto aqui uma historinha que beira o absurdo e o patético, passada em Itabaiana velha de guerra, sem muita coisa a ver com o teatro do absurdo de Samuel Beckett, além da forte ironia, neuroses e loucuras de personagens medíocres.
No começo da década de oitenta, o grupo de teatro amador montou a comédia “Hoje a banda não sai”, do Marcos Tavares, sobre um delegado de cidade interiorana que arruma briga com o mestre da banda, prende os músicos e começa uma confusão pontuada por desencontros, cenas de pura Commedia dell”arte.
Porém, e sempre tem um porém, como dizia Plínio Marcos, o delegado de Itabaiana veio a saber que o ator intérprete do delegado da peça coxeava de uma perna, certamente imitando a autoridade na vida real, cujo apelido era “Perninha” porque puxava de uma perna, sequela de uns tiros que levou perseguindo ladrões de gado no sertão da Paraíba.
Esse delegado gabava-se de ser um sujeito brabo, do tipo prepotente e atrabiliário, características do outro, o sargento da peça teatral. O ator Osório Cândido esmerou-se na interpretação, imitando os cacoetes do delegado real, gerando novas trapalhadas fora do texto. Sim, porque o “Perninha” mandou cercar o local onde se dava a apresentação, armou uma cena de guerra com seus meganhas e alguns guardas municipais para invadir o recinto, como o fez. De arma em punho, aos gritos, xingou, cuspiu marimbondos, esculachou “esses veados de teatro”, interrompeu a sessão. Os atores se entregaram na mesma hora. A assistência fugiu espavorida. O “delegado” da peça ainda levou uns empurrões e foi intimado a comparecer à delegacia para explicar sua performance.
No rastro desse episódio burlesco, o filósofo Zenito Oliveira cunhou a frase: “a arte imita a vida que inibe a arte”, escrita em guardanapo na mesa do salão nobre da pensão de Nevinha, enquanto emborcava um copo de cachaça “Beba Ela”, adulterada e engarrafada no lugar Maracaípe. O ator Osório quase foi enquadrado na lei de segurança nacional por “desacato à autoridade policial e ultraje à honra militar”. Foi salvo pelo rábula Arnaud Costa, o homem que escreveu um capítulo à parte na história jurídica da terra de Abelardo Jurema. Defendendo o “réu”, Arnaud produziu um arrazoado onde enaltecia as qualidades do Perninha, “alvo da admiração dos habitantes do lugar, por isso o desejo até inconsciente dos jovens atores em imitar seu ídolo, coisa comum na personalidade dos adolescentes.”
Diante da bajulação explícita, o delegado perdoou seu imitador, mas proibiu terminantemente a apresentação do espetáculo em território itabaianense enquanto ele fosse comandante local das forças de segurança, compostas pelos soldados “Batalhão” e “Calça Frouxa”, além do Cabo Amarelo. A maior autoridade do pedaço era adepta da máxima do nazista Goebbels: “toda vez que ouvia falar em cultura tinha vontade de sacar sua arma.”
Não declino o nome do delegado porque cachorro mordido por cobra tem medo até de linguiça.
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