A INVEJA


De repente, vi-me na Rua da Inveja. Com certeza, nenhum edil da cidade de São Luís propôs este nome. Foi o povo, ao perceber esse vil sentimento, corriqueiro, passeando por aquela antiga via maranhense. O motivo de assim chamá-la foi, poucas vezes, disfarçado. Mas, na maioria das vezes, muito explícito.
Melanie Klein, comparável a Lacan por ser criadora de uma das correntes do freudismo, não excetua os santos, nem a si própria, tampouco os invejados. Todos têm inveja. Deste “ódio primitivo” o mundo está cheio. Já existia bem antes do assassinato de Abel. Sim, todos invejam. Uns menos, outros mais. Há os que chegam às manifestações mais mefistofélicas. E, por causa da invídia, praticam as mais horrendas violências, físicas ou morais. Bem maiores que a de Caim. Há os que invejam porque vivem; existem os que vivem para invejar.
Normalmente, inveja-se ao se desejar a qualidade que está no outro ou, sobretudo, a quantidade que o outro possui. Ninguém tem inveja de si próprio. Há uma inseparável relação entre o eu e o outro, ou o ego e o alter. E isso só acontece no momento em que alguém começa a se comparar com outro. Assim se cogita: – Ele é e eu não sou. Eu não tenho e ele tem. Aqui também cabe o ciúme, filho querido da inveja.
Pelo aspecto positivo, as pessoas só crescem ou melhoram quando se comparam com os melhores. Sentem nisso um aguilhão. Porém, muitas vezes, basta a comparação para a emulação. E aí se envereda pela pecaminosa avenida da cobiça. O budismo nos ensina um caminho ético, que se encontra com o ensinamento socrático “cura te ipsum” (cura-te a ti mesmo). Compare-se consigo mesmo. Avalie, hoje, o que é bom em você e que, amanhã, poderá ser melhor. Assim, evitar-se-á o confronto do ego com o alter. Com esse sentimento, você vivenciará a Páscoa como passagem do velho para o novo. Você se tornará maleável argila nas mãos do grande Oleiro. E de vaso velho se transformará em vaso novo.
Diante da universalização teorizada por Melanie Klein, é compreensível que, uma vez ou outra, alguém passe ligeiramente pela Rua da Inveja. O degradante é morar ali, tentado pelo que não é seu; a cobiçar o vestuário e jóias alheias e a ambicionar o sucesso dos outros, até dos amigos. Possua o que dignamente construiu. Viva e aperfeiçoe suas qualidades. Saia da rua, vá para sua casa.