UM CACHORRO LEPROSO...
A noite estava fria, daquele jeito que os boêmios gostam. O clima era perfeito para algo quente: uma mulher, um charuto ou um bom uísque. Dispensei o uísque e o charuto, mas a mulher não dispensei. E que mulher! Sabe daquelas que você olha e diz: é ela... é ela que eu quero e não irá me escapar. Então foi um olhar, um toque malandro, algumas palavras gaguejadas e a voracidade de um beijo suculento e quente...
Saímos noite a fora em busca de um lugar tranqüilo, nossos olhares eram penetrantes; o toque de nossas mãos, suaves; e o contato de nossos corpos, totalmente irresponsável. Passamos por um lixo podre, um gato assassinado em plena rua deserta, talvez um único carro tenha passado por lá, havia também um velório, mas o defunto nem fedia tanto, a catinga maior era dos vivos. Daí que, Típico de interior, o que encontramos? Uma pracinha escura e mal arborizada com um busto no meio... nos abraçamos, nos beijamos, trocamos carícias e juras de amor... até que um cachorro sarnento veio, e, enquanto nos beijávamos, defecou e expôs seus dejetos ao nosso lado, colado em nossos pés. Já era hora de partir, foi quando me dei conta que havia um cachorro leproso em frente a gente nos fitando com olhar de dó o nosso amor. Não havia enxergado a bosta do cachorro leproso e pisei nela sem querer, mas só me dei conta de tudo isso, quando aquela mulher, que era tomada pelos meus braços, seguia sozinha rumo à sua casa, pois sua mãe não podia nos ver juntos. Só nessa hora que me lembrei da podridão do lixo, do gatinho morto esmagado ao chão, da calma do defunto e da imundície dos que velavam seu corpo... passamos por tudo isso! Além do mais um cachorro e sua merda ao nosso lado, e mesmo assim, o perfume era imenso sufocado nossos narizes!...
... Disse para os deuses e demônios e gritei num único poema:
“os corpos se unem
E o amor não passa de um entendimento
Das porcarias...
O beijo, a saliva lascívia,
A transa, os corpos suados,
O esperma e a urina...
A carniça espalhada na estrada
Tem mais perfume
Que o coração de um homem apaixonado,
Mais aroma que a mente do mentiroso...
O amor não exala olfato.
Diante do pecado de amar,
A podridão pouco importa!”