Possesso pelo demônio

Histórias que ficaram para a história. A partir desta edição vou escrever uma série de quatro ou cinco crônicas a relatar fatos prota-gonizados por políticos, uns mais outros menos conhecidos, que ficaram cravados pela comicidade na memória das pessoas com o mínimo de vivência política.

O objetivo dos textos é apenas literário. Não se trata de proselitismo político ou de críticas retrógadas, mas sim, de oferecer ao leitor um conteúdo menos denso no meio de tantas informações áridas que normalmente têm sido as principais pautas dos veículos de comunicação.

Estava a tramitar na Câmara Municipal de uma determinada cidade um projeto de lei que previa a doação de um terreno do município a uma igreja evangélica local. O imóvel, localizado no perímetro urbano, tinha aproximadamente 300 metros quadrados e seria utilizado na construção de um galpão, onde os crentes iriam oferecer serviços sociais a pessoas carentes, como bordado, culinária e outras atividades.

Dentre os vereadores daquela cidade, havia um muito autêntico. Frequentemente chegava às sessões da Câmara atrasado. Era de seu costume pedir a uma funcionária da casa que servisse café às pessoas presentes ao plenário. Cortesias de político.

Os evangélicos compareceram em massa para acompanhar a tramitação do projeto, que seria apreciado em duas votações. Pastores e membros lotaram o auditório.

Os vereadores que se pronunciaram foram todos favoráveis à doação. Os argumentos eram os mesmos. O que um falava o outro repetia. Era até cansativo. “É um trabalho muito importante para a comunidade”, “Estou de acordo com o vereador fulano”, “Pode contar com o meu apoio”.

Foi aí que nosso personagem entrou em ação. Sem meias palavras, foi incisivo:

- Eu vou votar contra esse projeto porque esses crentes só pensam neles. Esses pastores não pensam em outra coisa a não ser explorar os pobres coitados.

E continuou o qüiproquó. O clima ficou pesado na Câmara. Era até difícil olhar para os lados.

Enfim, o projeto foi aprovado. Apenas o dito cujo votou contrário.

Na semana seguinte o fato foi o comentário da cidade. Entre crentes e católicos, ateus e agnósticos, o assunto era o mesmo. Estavam todos abismados com a audácia do vereador.

Na outra segunda-feira, quando da segunda votação do projeto, os evangélicos também foram acompanhar de perto a sessão. O discurso do nosso personagem era o mais aguardado. Aliás, apenas ele usou a palavra para justificar o seu voto. Para surpresa de todos, o fulano votou favorável ao projeto e com a humildade peculiar de todos os políticos se justificou. Dirigindo-se aos presentes disse:

- Eu queria pedir perdão a vocês. Não sei onde eu estava com a cabeça ao dizer tantas bobagens na semana passada. Eu estava ‘endemoniado’.

As más línguas dizem que ele sofreu muita pressão dentro de casa, pois a mulher dele também era crente.

Juliano Rossi
Enviado por Juliano Rossi em 11/08/2006
Código do texto: T213967