NAS ASAS DO MEDO

O meu medo.

Eu carregava meus medos, como quem na beira dos cais, carrega os mais pesados fardos. Eles me atormentavam e me sacudiam nas noites, nos sonhos. Medo de errar, medo de falar, o que não podia medo de apanhar do meu pai, porque naquele tempo não se tinha a proteção institucionalizada de hoje, que bem sabemos, tem sido uma das causas de tantos problemas do âmbito familiar. Naquele tempo se dizia, que deveria se lamentar as lambadas, que não atingiram o corpo. Era assim, coro educava, e ou pelo menos impunha um respeito, uma espécie de referencia na dor. Não estávamos todos num saco só, mas sabíamos medir a diferença entre adulto e criança. Aprendemos cedo, bem ou mal, a dizer “Sim senhor”, não questionar o que os mais velhos diziam ou faziam, os mais velhos sempre tinham razão. E todos deveriam ser reverenciados com o pedido de bênçãos, inclusive o padre, bispo, freiras.

Lembro que um dia, em pleno almoço na casa de uma vizinha, comadre de meus pais, ali no baixo Campestre. Naquele dia ele havia matado um porco, que era uma das suas especiais atribuições nas horas de folga de seu trabalho na companhia Vale do Rio Doce, ou quando estava no turno da Zero Hora. Lá estávamos minha irmã, eu e um irmão, que ousado como ele só, teve a infelicidade de dizer para a dona da casa, que a carne de porco do seu prato estava pouca. Meu pai ficou cinza chumbo e aquele bigode largo e retorcido, estilo português, fez movimentos com este e seus olhos, chisparam farpas, mas nenhuma palavra, diante da aceitação da dona da casa, alegando que criança era assim mesmo, providenciando mais carne para o infeliz. Nós sabíamos que lá em casa esta coisa de criança ser assim mesmo não tinha validade, ainda mais, quando o pai, usou de sua característica tosse seca aquilo era como, nos dizer que não tínhamos agradado nem um pouquinho.

Dito e feito, quando de retorno a casa, ele sorrateiramente, foi ate a trás da porta e a surra veio terra a baixo, dizendo coisas moralistas, sobre como comportar em casa dos outros. Esta surra não se esquece, ele ainda arde no meu corpo, mas o malvado causador, hoje rir e acha tudo muito interessante. Este medo eu tive de carregar comigo ate ascender à juventude e dar com as pernas no mundo. E hoje, preocupadamente assisto aos filhos desafiando, enfrentando os pais e se perdendo no mundo de meu Deus, ou do diabo. Lembro daquele chicote pendurado na porta, ou daquela famigerada taca de couro cru, esticada junto à montaria, isto mesmo naquela época normalmente as pessoas tinham um cavalo ou mula.

Mas o medo maior, que mais estrago fez em minha vida, foi o dos que tinham a estranha mania de morrer e muitas vezes não ficavam nada bonito na naquela cama no centro das salas. Não poderia existir imagem mais sinistra. Não se tinha a habilidade de enfeitar os defuntos como atualmente. Ás vezes até o caixão era feito no terreiro da casa do falecido. Aquele “nheco nheco” do serrote, o pano roxo, era tudo sinistro. Os velórios eram feitos nas casas dos finados, que sempre serviam muita cachaça e café com pão, para as pessoas, que corajosamente passavam a madrugada naquele ambiente, sempre animado por aqueles destemidos senhores, que contavam piadas noite a dentro. Eu menino atrevido, sempre insistia em acompanhar meus pais a fúnebre visita ou mesmo seguia a turma da época, pela curiosidade. Mas na volta para casa, toda ousadia daqueles meninos caia por chão, era como se o defunto estivesse sempre ao nosso lado ou em uma esquina qualquer e eram tantas as esquinas naquele lugar...

Os adultos gostavam de ver este medo e sempre tinham uma estória horripilante para completar o desatino das crianças. E foi vivendo deste medo, que quando morreu o meu padrinho Prudêncio, numa mistura de decepção e medo fui acometido de uma tremura, que meu queixo batia como carro velho. Meu pai homem destemido, rezador nas casas dos defuntos, insistiu, que eu tinha que vê-lo e rezar nos pés do padrinho e pedir, que ele levasse todo meu medo. E assim foi, que naquela noite, depois de ingerir um copo de água com açúcar e me sentir um pouco mais calmo, me atirei nas rezas com toda força de meu coração, como se fosse o mais febril dos fieis. Não sei explicar, mas depois daquele dia o medo, este medo se foi.

Mas o medo, este monstro, que mora dentro de nossos corações, é mutante e sempre nos surpreende, como uma máquina de geração de outros medos. E hoje o medo maior, se reveste na solidão, no medo de perder meus amigos, de não ser compreendido, aceito, de amar, e acima de tudo tenho medo de me perder.

Inspirado pelo Recantista poeta Itabirano Jose Claudio Adão, quando de minhas leituras em seu blog, deparei com uma crônica dele falando de seu medo, que era o mesmo medo meu e talvez seja de todos aqueles que um dia viveram no interior. Obrigado Claudio.

Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 14/03/2010
Código do texto: T2138180
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