“Ei moço, me dá um voto?” - ainda atual...
Vejo meninos e meninas correndo nas ruas. O que eles buscam? Pergunto-me. Diversão? Matar o tempo? Dinheiro? Trabalho? Comida? Atenção?
Outro dia estava em um bar-restaurante com os amigos e lá veio a criança com o seu punhado de rosas, dedo na boca, olhar de soslaio, voz engolida a dizer: “Tia, compra uma rosa?”, “Pode escolher: vermelha, branca, rosa, amarela. A maioria só vende de uma cor, né tia?” Recordo a canção que diz “acreditam nas flores vencendo o canhão”.
Em seguida, vem outro garoto: “Tenho fome, me dá um trocado?” E mais um: “Posso engraxar?” Agora a menina: “Dá um tíquete?”. Uns são mais espontâneos, outros, talvez, ensaiaram melhor, e há aqueles que não levam o menor jeito para a coisa mas são compelidos a pedir.
Há, também, os adultos pedindo com variados argumentos: a tia está doente; sou honesto e fui assaltado; o remédio é muito caro; não tenho dinheiro para voltar para o Nordeste...
No mesmo local continuo. Sai a garota dos chicletes e vem o rapaz com as mãos cheias de panfletinhos: “Quero um minuto de sua atenção. Sou candidato a deputado distrital e posso pedir o seu voto?”, “Veja que as minhas propostas não são iguais à maioria”. Já ouvi isso hoje, penso.
Os “futuros” deputados invadiram as ruas, postes, pontos de ônibus, faculdades, bares, restaurantes, daqui a pouco até nas filas de banco estarão buscando atenção. Munidos dos famosos “santinhos”; as fotografias com frases de ordem e o número do passaporte para o amanhã. Mas as mãos estendidas, qual os meninos, estão temporariamente presentes no dia-a-dia da cidade.
Estamos em crise mundial, há o aumento do desemprego, e é nítida a disputa de espaço em busca da sobrevivência. Não há idade, escolaridade, renda, expectativa de vida, cor ou credo para se fazer notar nessa multidão de seres humanos. O grande campo de batalha está nas ruas. A história comprova.
Li, outro dia, sobre uma pesquisa de comportamento que mostrou o perfil do comprador brasileiro. Ela demonstra a importância de se investir nas promoções em ponto-de-venda, pois se constatou que o consumidor escolhe a marca, por exemplo, no supermercado. O dado revelador principal foi que 85% dos consumidores decidem o que comprar dentro do supermercado. Por analogia, a TV e o rádio podem ter pouca influência, quando o corpo a corpo ainda garante uma conversa e o contato direto com o candidato. A nudez necessária que só a proximidade permite. O “ponto-de-venda” pode se chamar boca-de-urna.
Ver a realidade brasileira nas telas não se compara às cores vivas das ruas, depoimentos impressos não se comparam às respostas gagas e espontâneas do “ao vivo”. As maquiagens da mídia e das bem elaboradas campanhas publicitárias ou, ainda, da falta de verba para isso, transformam candidatos em caricaturas e meninos e meninas pobres em violência (seja contra ou a favor das personagens).
Voltando à pesquisa de consumo, os itens considerados supérfluos estão entre as principais escolhas de última hora e os produtos mais planejados são os de primeira necessidade. Em contrapartida, usualmente, não planejamos nossas escolhas políticas no decorrer dos anos. Mas no momento do grande mercado das urnas. Outro dado interessante é que o consumidor é fiel à loja mais próxima de sua casa. Provavelmente, o deputado a ser escolhido também esteja entre os amigos e conhecidos do eleitor, bem assim leva mais trocados aquele que encontramos nas ruas com maior freqüência.
Observo que alguns infantes se afastam das ruas quando encontram um abrigo pleno, outros à medida que se ocupam de infrações. Há aqueles que esperam a liberdade (sair dos centros de atendimento juvenil) para voltarem às avenidas e becos. Há os forçados hierarquicamente. Ao passo que, grande parte dos eleitos desaparece, também, das mesmas ruas por quatro ou mais anos. Até que um dia voltam a pedir, uns porque perderam o amparo plenário e outros porque... Igualmente, há aqueles que se libertam das CPI´s e estampam suas faces sob a luz do dia. No entanto, existem as pessoas que não precisam pedir e recebem.
Nos dias atuais falta, porventura, o voto de confiança naqueles que compõem nossa sociedade desde a tenra idade.
E você, já se decidiu?
Solange Pereira Pinto
Em Brasília, 16 de setembro de 1998.