Crônicas da Esquina ( Profissões )
PROFISSÕES
Em geral, as pessoas têm profissões que não se ajustam, por alguma razão misteriosa, às aparências que ostentam. A indumentária que se veste no real é, por vezes, diametralmente oposta àquela que realmente nos cobre como uma segunda pele. Na verdade, temos duas profissões: a verdadeira, legada pela vida e seus percalços, e a outra, fruto da fantasia e da imaginação de observadores mais atentos. Trata-se de um trabalho delicado e criterioso. Uma espécie de retrato falado que, ao invés de acrescentar dados que ajudam a construir ( ou confundir ) o real desenho de uma fisionomia, consiste em substituir apenas as vestes características de uma profissão original por outras, digamos, mais ou menos convincentes. Se a nova escolha for acertada, só a alma coletiva e um certo senso de abstração poderão dizer.
O Edinho, por exemplo. Na verdade, é aposentado do Ministério da Aeronáutica, mas não é justo. Mãos esculpidas com esmero; cavanhaque grisalho e de absoluto trato; uma careca lustrosa com cabelos pôstero-laterais; tendência à fala mansa e duradoura, além da não menos cativante paciência. Tudo isso deixa-lhe como um peixe fora d’ água em sua verdadeira profissão. Assim, inicio, pois, a operação transformadora. As sandálias havaianas e a bermuda do bom e calmo aposentado são substituídas por sapatos pretos e lustrosos, meias finas da mesma cor e uma calça de tergal vincada pelas mãos calmas e habilidosas de uma passadeira. A camiseta habitual, a essa altura, é uma ofensa. Assim, substituo-a por um jaleco impecavelmente branco e engomado que dona Eliane reclama toda noite ao ter que passá-lo. Vestido dessa maneira, o bar do Costa não lhe convém pela manhã, mas sim uma tradicional barbearia da zona sul com seus clientes antigos e não menos tradicionais. Nesse espaço ele se esmera em cuidados e tratos que lhe rendem polpudas caixinhas que lhe engorda o bolso. Nos intervalos, fica à porta do estabelecimento fumando e imaginando como seria a vida sem a arte que Deus lhe dera.
Já o Leo Christiano é um homem sem profissão. Filho único de macróbio empresário da indústria naval, é um magnata lobo-do-mar em cujo iate perfilam-se marujos aposentados e até, por precaução, um capitão de longo-curso. Mas o principal está na proa, onde desfilam belas meninas em sumaríssimos biquinis provocantes. E aí, velas ao mar! Chuvas de champanha, drinques coloridos e frutas tropicais. Nosso marítimo observa aquelas semi-evas que lhe ornam a vista.
No entanto, brincadeiras à parte, nosso comendador é, na vida real, um editor que luta para não se afogar nas águas turvas da crise que pequenas e médias editoras enfrentam num país de analfabetos funcionais. Mas, vida que segue, esses dois grandes amigos estão satisfeitos com a vida e são, por isso, felizes assim, cada um na sua praia, ambas em Vila Isabel.
Aldo Guerra
Vila Isabel, RJ.