Oração por Oradour-sur-Glane (III)

Todos os factos históricos e pessoais relatados nesta história são verídicos, e esta é também a minha modesta homenagem aos mártires

Oração por Oradour-sur-Glane

No dia 10 de Junho de 1944 a 3ª Companhia do regimento das SS “Das Reich” que vinha do sul em direcção à frente normanda parou na Vila de Oradour-sur-Glane situada mais ou menos a meio de França. Enraivecidos pelos constantes ataques dos resistentes que os assediaram durante quase todo o percurso massacraram praticamente toda a população da localidade -643 homens, mulheres e crianças, sobrevivendo muitos poucos. Depois da matança, e ainda não saciados por caos destruíram o povoado, a tiros de canhão e deitando fogo às casas. Esta foi a pior atrocidade da história francesa da Segunda Guerra Mundial. Em recordação dos mortos e para que a curta memória dos homens não a esqueça, a Vila foi mantida tal como os nazis a deixaram no final daquele dia sombrio. Li esta história na minha infância e nunca mais a esqueci.

Passaram 60 anos. Em finais de Agosto de 2004, eu um agnóstico assumido, mas de educação e morais católicas e por motivos espirituais que não são para aqui chamados, pois não é carácter destas linhas este tipo de interioridades, decidi ir até a comunidade católica de Taizé, uma aldeia a 400km de Paris. Neste espaço de reflexão convivem durante uma ou mais semanas pessoas de todos os locais do planeta, as idades e também credos; é um espaço de ideias e ideais livres, de livre aceitação, de comunhão de experiências pessoais, de interiorização, de retiro, um espaço de criação e convívio onde não é raro cruzarem-se pessoas de países que estão em guerra, mas que ali se dão em paz como em talvez nenhum outro local do mundo; lá não há doutrinação, ou lavagens ao cérebro de qualquer espécie, lá há isso…partilha, comunhão de nós para com os outros, um espaço onde se fala, mas sobretudo onde se houve, onde se cresce. Depois de voltar soube que ninguém daqueles que eu lá conheci – e foram muitos - ficou indiferente àquela semana.

Quando regressávamos de autocarro e mais ao menos na altura em que vi uma placa a dizer que nos encontrávamos nas imediações de Oradour-sur-Glane alguém sugeriu que se fizesse uma oração tal como se fazia em Taizé, pois estava na hora dela. Apesar de não ser o meu credo senti um arrepio na espinha e tirei os auscultadores para ouvir as vozes daqueles quarenta e tal portugueses e portuguesas que rezavam por eles, pelo espírito da comunidade, mas também pelos mortos. Este foi dos momentos espirituais mais marcantes da minha vida.

Ao falar mais tarde com a pessoa que propôs a oração e com outras soube que elas desconheciam a história da matança; apesar de não ser religioso, ainda hoje tenho a impressão que a invocação dos meus companheiros e companheiras não foi casual, que houve algo que os fez rezar logo ali, que houve algo de inexplicável bem dentro deles, algo fez surgir do nada aquela

Oração por Oradour-sur-Glane

Este ano, quando passam 63 anos sobre o massacre tive a oportunidade de ver a aldeia ao longe mas demasiado perto para me aperceber da bestialidade dos nazis: nada na aldeia está em pé a não ser as paredes, não há focos de luz a iluminar as ruínas, apenas um silêncio sepulcral que dura desde há mais de 60 anos, um silêncio de morte, a morte nazi que arrepia quem a vê, mesmo a mais de 100 metros como eu a vi (a aldeia fechava para visitas às 18h e nós chegamos às 20h…) fora as inúmeras fotografias que foram tiradas e que eu colecciono como marca da infâmia. Quem defende o nazismo deveria visitar esta aldeia e perceber que o lado negro da humanidade existiu e que deve ser extinto quando ressurgir com todas as nossas forças e amor, pois só o amor poderá sepultar definitivamente as trevas…

E eis que estamos em 2010…

Estou a fazer uma colecção de seu nome “Panzer” da editora “Planetadeagostini”, que reúne em 60 fascículos todos os veículos usados pela Alemanha Nazi na IIª Guerra Mundial.

Desde a adolescência que colecciono várias coisas, e eis que chegou a oportunidade de ter uma colecção completa de parte da história recente, oportunidade que não desperdicei…

Trata-se basicamente de um exemplar na escala 1/72 e uma pequena revista que fala desse veículo e de factos ocorridos na guerra.

Pois…eu até temi o pior quando vi que iriam contar a história da divisão “Das Reich”…Há uma corrente de gente que quer branquear o papel nocivo das SS de combate, uma corrente que chega a negar factos provados dos massacres perpetrados por estas tropas…Uma corrente que chegou a esta publicação…Para ser verídico, eles não negam, ignoram…Ou seja uma aldeia arrasada e massacrada…não consta… (fora as outras que sei que eles também massacraram no território da antiga U.R.S.S mas cujos nomes ignoro…)

Como cidadão é meu dever alertar para este facto…

Não sei se a editora em causa é a responsável, ou se compraram a colecção já feita e a editaram em seu nome, mas alguém deveria ser responsabilizado…

Não se pode passar uma esponja sobre a história, a história deve ser o máximo possível objectiva…Serviços que esta editora presta devem ser denunciados, devemos isso às vitimas de todo o Nazismo, devemos isso à verdade, ao passado, ao presente, ao futuro, para que essa parte da história nunca mais se repita…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 13/03/2010
Código do texto: T2136380
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