ESSES POETAS!

São poucos, bem poucos mesmo os que olham os lírios do campo e como eles vicejam maravilhosos neste mundo tão turbulento. Entre os milhões de homens somente os poetas se concedem o prazer dessa contemplação, posto que sensíveis e coadjuvantes dos devaneios. São os poetas os únicos a se enternecer com uma pétala arrancada de alguma flor e jogada ao desprezo do barro. E chorar por esse motivo singelo. Sim, porque os poetas derramam lágrimas e riem felizes como qualquer criança faz de forma espontânea. No entanto, eles, os poetas, não são somente seres humanos encantados com tudo que fascina, até mesmo com o peso da melancolia de onde conseguem brotar os mais lindos poemas tantas vezes. São anjos de luz, maravilhosos seres em quem brilha o esplendor do sol e de cujas mãos, quase em magia, fluem os sentimentos, e através delas semeiam as fantasias mais sublimes. Dos poetas nasce o sopro de embevecimento para a humanidade, a brisa do alento, floresce o sorriso. Eles são o consolo enternecedor que transforma a aspereza da vida em fragmentos de veludo acetinado. Como se fora uma bem vinda gota de colírio n'alma. Os poetas se encontram muito além das mazelas cotidianas enfrentadas pelos simples mortais porquanto têm os pés nos devaneios e moradia nas nuvens. E obtiveram da natureza a dádiva de ouvir e sentir muito além dos demais, dos comuns que não conhecem os contos de fadas nem dormem com a lua. Tanto é assim que Bilac, como em êxtase, escutava as estrelas e conversava com elas.

A mente dos poetas é um manancial infinito de sonhos. Quando muitos choram desolados, eles podem até mesmo sorrir por compreenderem a dor, por amá-la como sua companhia constante lado a lado com o prazer incomensurável de estar vivo e amar a vida. O sofrer não é via de mão dupla para eles, que caminham sobre a amargura da mesma maneira como deixam passadas sobre a alegria passageira. Poetas adormecem enlaçados pelo amoroso abraço da madrugada como igualmente se enamoram da noite e do alvorecer; deixam-se empolgar ante o repentino e fascinante gorgeio dos pássaros e guiam-se pelo brilhante vivo dos olhares femininos, estagnando diante de uma rosa em destaque no jardim para permenecer com os olhos fitos nela à guisa de estar temporariamente petrificado ante seu esplendor, embora esteja somente quedo pelo indizível prazer de voltar-lhe os olhos e sentir-lhe o perfume inebriante.

Mas é certo que os poetas sofrem e clamam a sós na solidão do seu eu desencantado por instantes. E entram, a um só tempo, em inesperado transe e inigualável alquimia com a realidade em derredor. Porque eles tanto podem surpreender-se todo radiantes ao deparar com o desabrochar da flor quanto gritar impropérios contra a impunidade e a injustiça. Pois bardos não têm meias palavras, não tão-somente compreendem o incompreensível e mágico, sendo senão aqueles que penetram no âmago das questões e se aprofundam mansos e sublimes. Vão fundo em seus ensejos e viajam através do universo do tudo sem ao menos darem um passo...são levados pela velocidade de seus versos e transportados pelas asas da imaginação poética iluminada e profícua.

Ninguém nunca subestime esses lavradores dos sonhos e artistas das palavras. Até as pedras saem apressadas das veredas para dar passagem aos poetas, deixando espaço para que eles alcancem o mais depressa possível os seus anseios de contos de fadas. Vendo-os em abençoado silêncio, os olhos cerrados por instantes ou descansando plácidos e demorados nalgum ponto difuso e circunstante, não se surpreenda. É que nesse sorridente momento eles estão gerando poesia no apoteótico ato de criação tão próprio deles. Sem dúvida, é bem ali no mais recôndito de seus corações que os poetas vagueiam quase displicentes como uns meninos irrequietos brincando com os afazeres do faz de contas. Todavia se as lágrimas aparecem repentinas molhando suas faces melancólicas e desaguando em seus lábios contorcidos, não se angustie, aquiete seu coração e permita-lhes permanecer nessa paz quase platônica: eles estão felizes sim e contaminados pelo odor prazeiroso das flores pejadas de inúmeros beijos trocados com os beija-flores em transe. Conquanto aparentemente entregues às raias do pranto, se os observar atentamente perceberá que eles, na verdade, estão em êxtase, que se dão por felizes em virtude da comunhão com a exuberância da vida e dela serem parte essencial como uma expressão que também viceja e pulsa no complexo universo da existência. Estão, por assim dizer, como que vagando dentro de si mesmos talvez buscando o imponderável, provavelmente desejando o impossível para os insensíveis, mas não para eles que são sonhadores filhos do amor e da dor. Decerto anseiam mergulhar no enorme luar que pinta o céu de luz e deixar-se envolver pela amplitude do seu brilho intenso. Quiçá optem por aquecer a paixão na magnitude do sol ou pretendam embelezar seus versos com a poética das estrelas. Ou então versejam para o mais puro âmago da própria alma, ou do coração. Isso mesmo, feito uma criança sapeca. Pois é certo que os poetas são essas criaturas explodindo magia, uns inesperados, pássaros sem asa que voam além-mar, uma notável e súbita surpresa a todo instante.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 13/03/2010
Reeditado em 14/03/2010
Código do texto: T2136278
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.