Escrever

Já me conformei em ter um monte de dúvidas e também não entender muitos pensamentos, com os quais às vezes me deparo. Querem ver um? Esse é do meu amado poeta português Fernando Pessoa: “ escrever é esquecer”. Eu, na minha santa ignorância, achava que escrever era recordar. Ontem, comentando com um amigo sobre esta afirmação, ele, que nunca leu o Pessoa, sem o menor desassossego, me instrui: “claro, ao botar pra fora suas lembranças, você as esquece!” Pode ser. Mas acho que o Pessoa estava pensando em outra coisa, que não consigo atinar. Já o escritor amazonense Milton Hatoum nos afirma que escrever é se salvar, como fez Sherazade, que inventou uma fábula para não morrer decapitada. Em um esforço de interpretação, guiado pelo seu pensamento, imagino que ao relatar nossas vivências, estamos salvando essas histórias da corrosão do tempo, tornando-as novamente vivas, salvando-as da morte simbólica, se acaso não pudessem mais se expressar, através do narrador. E é por isso que escrevemos, como pensa o escritor amazonense/libanês. Acho correto o pensamento de Horácio: “Muitos heróis viveram antes de Agamenon, mas todos estão mortos, enterrados, desconhecidos porque lhes faltou entre os soldados um poeta.” E eu acrescentaria que é preciso, além do poeta, e, talvez mais importante, um leitor, esse eterno desconhecido. Não é raro o leitor, como intérprete, enxergar mais longe que o próprio escritor. .

Já a portuguêsa Agustina Bessa-Luís nos fala que “o escritor é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração.” Desculpe, mas não acho. Muitos escritores me encheram de medo. Kafka foi um deles, só para ficar neste único exemplo. Isaac Asimov dizia: “ escrevo pela mesma razão que eu respiro, se não fizesse eu morreria”. Felizmente, minha respiração não para quando deixo de escrever. Quanta diversidade de opiniões, começo a suspeitar que entrei num tema assustador, logo eu que fui tão assustado na infância e em quase toda a adolescência. Mas hoje, me encho de coragem e enfrento esses luminares da literatura. Se cheguei até aqui, muitas vezes açoitado pelas intempéries da vida, na fronteira da velhice, é porque, mesmo sem saber, fui sempre um otimista e como um iconoclasta, derrubando todas as crenças, lendas e mitos e passando por cima de todas essas opiniões, bem irreverente, afirmo triunfante: escrever é simplesmente um ato de prazer!