OUTRO DIA DA SEMANA

Saio em direção à praia de Botafogo, antes procuro acessar meu e-mail, coisas modernas para um senhor de seus setenta anos, esquelético e sofrendo do mal de Parkinson. Leio seus poemas, são pérolas de amor; Esquizofrênico, muitas vezes ao dia, transpasso meus pensamentos variando entre o que é real e o que é fictício. _ Ela, ainda olha do apartamento, suas pétalas coloridas enfeitam um quadro de Pablo Picasso. Janela aberta. Tem mandado recado através de seus poemas, faceto, são dois olhos grandes e vermelhos. _ Não sabe ela. Sorrio. Que tenho a imagem diferente da exposta. Mas que importa, vou pela calçada olhando as vitrines, passam pelos meus olhos. Jardins alados. Moças de biquíni e fio dental. _Velho tarado. Fala Floripa, olhando-me da outra margem da praia, afoga suas paixões mal resolvidas, que tenho eu com isso? Nada. Mando um soneto, plagiando algo tão antigo _ Não caberia a ela pensar ser outro o escritor que não eu, veja, a garota me responde com um doce poema, um Vinicius... Eu sei que vou te amar... Mas como conseguiria se não mostrasse em carne viva, minha decrepitude. Solavanco. Tremo. Prédio, avenida, calçadão, multidão; passa apressado, o povo. Devagar, vago por entre todos os impulsos, meus e deles. A cortina aberta; o sol se opõe na tarde ensolarada, despede-se com raios a rabiscar um ensaio de Volpi; meu escritório entreaberto é ninho de borboletas, pasta meu escarro preso a mesmice de todo dia quando o sol se dispõe a me deixar; a noite, assim que passa o sabor da tristeza, vem infernal, carregada de caos e demônios, a escuridão, me enlaça, largo minha pena e dou-me a voar na amplidão de um universo vazio. _ Onde estão as borboletas amarelas? Pergunto-me. Alçam vôo num ponto cego de mim. Ativei um atalho, cortei laços com o verso, envergonhado, saio rompendo a imagem nefasta. Separo a escada, desço o elevador, vou pelo portão, apresso-me a chegar à esquina, entre as prostituas e os bêbados, devoro Castro Alves, no mais eloqüente poema de escárnio, escrevo teu nome na areia, Por fim me satisfaço. Já madrugada, assisto as sombras gravadas no lençol a correr rumo ao infinito mortal enlace. _ Alguém bate a porta. Retraio-me a minha decrepitude. É a enfermeira deste manicômio. Minha casa assolada pela minha solidão, fica a beira do morro. Sobrevivo, mergulhado a pesados medicamentos intravenosos; no pouco de um fhash, é o sol. Com ela sempre vem a escuridão. _ Oh! Amada, o vento desta vez me afoga.