O cerco

Dia desses - típico do mês de agosto, quando o outono se despedia e a primavera já se prenunciava, e que eu vivia os incômodos de uma enfermidade nas vias urinárias, que me causou forte hemorragia e alguma incerteza quanto à sua natureza – tive a curiosidade de olhar atentamente pelas janelas do apartamento onde moro, e de onde vejo o mundo, e perceber, com certo espanto e muito desagrado, o avanço inexorável do concreto sobre a paisagem com restos de bucolismo, do ainda tranqüilo bairro de Atalaia, em Aracaju.

Da janela do pequeno gabinete onde timidamente ouso fazer pequenos vôos em direção à escrita, farfalham as palhas de um coqueiro da casa vizinha, por entre suas palmas avisto os contornos de uma construção de um prédio de apartamentos a menos de cem metros de onde moro.

O novo prédio recém construído tirou-me por completo a vista para uma academia de ginástica, que frontal a esta janela, me propiciava a visão de algumas mulheres interessantes, outras bem gostosas, de coxas grossas, bundas bem feitas e peitos pequenos, algumas jovens, outras nem tanto, malhando freneticamente, todas em busca do físico ideal.

Do segundo quarto, transformado compulsoriamente em quarto de vestir, e onde reina o caos absoluto, enxergo o vulto ameaçador de um prédio de luxo, cujo esqueleto ainda nu, e que, como um gigantesco e indecente falo, agride a paisagem do lugar, roubando a mim e aos quantos estejam na mesma posição que eu, a vista para o Atlântico Oceano de Sergipe.

Do quarto de casal – apelidado pernosticamente por nos brasileiro de “suíte”, o mesmo vulto indecente e nu do espigão de mais de quinze andares, em diagonal, continua me roubando um pedaço do oceano.

Se comparado a uma floresta em formação, o prédio onde moro estaria na mata primária, o sorrateiro, que fica em frente à academia de ginástica, mata secundária e o gigante indecente e nu, a mata terciária. E eu e os meus vizinhos, o que somos nesta floresta em formação? Pequenos insetos que aos poucos estão vendo seu meio natural sendo esmagado pela ganância dos empresários da construção civil e pelas botas dos operários, tudo sob as vistas beneplácitas das autoridades locais.

Mas, num exame de consciência mais profundo, me lembrei, que eu também, há poucos anos, já roubei belas vistas e modifiquei paisagens, quando atuava no ramo da construção civil e me espanto com a celeridade e avidez com que o progresso desenfreado vai transformando a outrora pequena e provinciana Aracaju, em uma bela e cosmopolita cidade, onde desfruto de um doce, previsível e voluntário exílio, e me dou conta de que não me arrependo de ter dada uma pequena contribuição para essa metamorfose e que me privar de uma vista mais privilegiada, é o preço que pago pelo progresso, que em última instância é sempre inevitável.