MULHERES

Sempre que entro numa livraria me apaixono. Este apaixonar-me constante me desgasta até a raiz, razão por que tenho evitado as cujas. Abala o sistema imunológico e o financeiro. Quando saio, me abstenho e reduzo a um expressinho básico ou um carioquinha, num café qualquer, enquanto leio os encartes do BIG ou o Almanaque da Saraiva. Estou minimalista! Escrevo isto porque faz tempo que ando longe da expressão escrita (estou preguiçosa também). Tenho culpa quando não produzo. Sinto-me estéril.

Queria falar mesmo do livro que estou lendo, Mulheres que Correm com Lobos. Já comecei lê-lo noutras vezes. É longo, trinta e oito páginas só de introdução. Já a terminei dezenas de vezes. Agora tenho o propósito de ir até o fim. Não vou desistir, o livro merece. Trata-se de uma teorização sobre o arquétipo da mulher selvagem. Através da interpretação de lendas e histórias antigas como as do Barba-Azul e Patinho Feio, a autora identifica a essência da alma feminina, propondo o resgate desse passado longínquo como forma de alcançar a verdadeira libertação. Embora não tenha, ainda, ido além da introdução, já consegui elaborar meu próprio conceito sobre o tema.

Para a minha pessoa, nascida interiorana, numa época e lugar onde tudo se arrancava da terra, da água ao pão. Crescida com as quatro estações impressas e definidas pelos olhos e sensações; adolescida com os medos e mitos da vida do mato. Depois, graduada e analisada, sofrida e vivida, essa mulher que a autora refere, é aquela que nasce dentro de nós e que vamos perdendo vida a fora. A que foi sendo domesticada desde sempre, lapidada conforme os interesses das épocas.

As mulheres passam quase a vida toda como criaturas disfarçadas, cambaleando sobre saltos, enfeitadas sob lenços e chapéus, caminham séculos após séculos, fingindo-se de putas ou santas. Muito mais de santas. Segundo a mitologia romana, puta é a ‘deusa menor da agricultura’. O significado literal da palavra é poda. As festas em honra a esta deusa celebravam a poda das árvores e, durante estes dias, as sacerdotisas manifestavam-se exercendo um bacanal sagrado (prostituíam-se) honrando a deusa o que explicaria o significado corrente da palavra em muitos países de fala latina.

Essa mulher não domesticada é sempre a mesma, não importando a cultura, a época ou a política. Ela é idéias, sentimentos, impulsos e recordações. Sabe o momento de chegar e o de partir. Por mais que seja torturada, silenciada e enfraquecida, entre outros sinônimos depreciativos, ela ergue-se às superfícies. Mesmo a mais tranqüila e reprimida das mulheres, guarda um canto secreto para essa selvagem, com sentimentos e pensamentos exuberantes que são da sua natureza. É necessário despir-nos dos mantos falsos que nos sobrepõem para despertá-la dentro de nós.

Estou com fé de conseguir terminar de ler o livro. Mais, tenho o propósito de ler todos os livros não lidos da minha biblioteca caseira, que nem são tantos assim. Terminar meus contos inacabados, poesias abortadas, ensaios interrompidos.

É uma forma de resgatar meus destroços e reorganizar-me. Maneira singela de ‘honrar minha deusa'