O Gato

O Gato

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Foi ao salão e cortou o cabelo.

Repicado.

Muito moderno.

O marido adorou.

Fez a maior festa.

Disse que ela estava linda.

Propôs um jantar romântico à noite.

A luz de velas.

Só não esperava que fosse precisar de tantas...

Ela voltou da caminhada pronta para um banho.

Esperaria, toda cheirosa, o marido chegar.

Sem nem pensar em acender as luzes, voou para o banheiro e entrou debaixo do chuveiro.

Um jato de água fria, mais precisamente, ge-la-da, caiu-lhe no corpo.

Berrou, pulou fora do box e acendeu a luz.

Ou melhor, tentou acender a luz.

Não tinha luz.

Molhada e com frio, procurou a toalha.

Na afobação, tinha esquecido a danada no quarto.

Pingando água por todo o trajeto banheiro-quarto e quase levando um tombo, alcançou a toalha estendida na cama, enrolou-se nela e quando parou de bater os dentes, passou a mão no telefone para pedir socorro.

O telefone estava mudo.

Ele também precisava de energia para funcionar.

- Droga! E agora?

Lembrou do celular descarregado dentro da bolsa.

Teve ódio.

Nada mais lhe restava a fazer senão esperar o Gato (nome, com o qual, carinhosamente, chamava o marido).

A primeira providência quando o Gato chegou: de seu celular, ligou para a companhia elétrica.

- Estamos mandando uma viatura para verificar o sistema, senhor.

- Quando?

- A viatura está na rua, senhor. Não podemos precisar quanto tempo levará para chegar até aí.

- São quase nove horas. Será que ela chega até às 10? Tenho que trabalhar amanhã cedo!

- Não posso dizer, senhor. Mas ela estará a caminho.

Acenderam as velas destinadas ao jantar romântico, abriram o espumante antes que ele fervesse dentro da geladeira desligada e puseram a esperar a “viatura”.

Uma garrafa depois, nada!

Gato voltou a ligar.

- Senhor, a viatura já esteve no local duas vezes, mas não foram atendidos.

- Como assim, “não foram atendidos”? Não arredamos o pé daqui desde aquela hora!

- Senhor, nossos técnicos nos informaram que bateram aí e ninguém atendeu.

- Bateram onde?

- No interfone, senhor!

- Gato, por favor, fique calmo. Já chega a falta da luz. Não vá você também ter um treco.

Ele, vermelho de raiva, gritava para a atendente:

- Seus malucos! Se eu estou sem luz, como é que vocês queriam que eu atendesse o interfone?

- Senhor, se continuar gritando desta maneira serei obrigada a desligar.

- Desliga pra você ver! Desliga!

- Senhor, se continuar assim, serei obrigada a cancelar a ligação.

- Muito bem, dona....como é mesmo seu nome?

- Lúcia, senhor.

- Muito bem Lúcia, eu sei que você não tem nada com a inteligência dos seus colegas de viatura, mas como o meu contato é você, direi pausadamente o seguinte: se essa viatura não chegar aqui em meia hora, seu nome, Lúcia, irá para a boca do sapo. Posso não entender de eletricidade, mas de despacho... Comece, desde já, a rezar pelos seus cabelos. É primeira coisa que cai.

Em menos de vinte minutos a viatura estava na porta da casa do Gato.

O técnico sobe e desce escada, abre fio, desenrosca, puxa, vira, destampa, tampa, tira tudo do lugar e conclui:

- O problema não é da companhia elétrica.

- O problema é de quem então? Gato estava quase tendo um piripaco.

- Pelo que eu pude verificar, é com a fiação elétrica da casa.

- Mas a fiação é nova!

- Às vezes, é por isso mesmo!

E deu-se por encerrada a visita, deixando o Gato e a Gata desolados para trás.

No dia seguinte, após banho no vizinho, geladeira desligada, coisas se perdendo e a paciência indo embora, Gata foi se olhar no espelho: o cabelo repicado, depois da água fria e da secagem ao natural, estava parecido com o do Tio Patinhas!

Quando o eletricista chegou, uma Gata de boné indicou o caminho até a caixa de eletricidade.

Ao final do dia, o veredito: até achar o “nó” da fiação, teriam que viver de “gato”, devidamente exposto para evitar qualquer constrangimento com a vizinhança.

- Como assim, “devidamente exposto”?

- Aconselharia vocês que, ao puxarem o “gato” da fiação da rua, a porta da casa ficasse aberta, para que todos possam ver que não estão fazendo isto escondido. Que se trata de uma emergência.

No dia seguinte, a vizinhança estranhava alguns gritos que da casa saiam:

- Gato! Liga o gato!

- Gata! Para de mexer no gato!

- Gata! O gato tá quente.

Quando, pela última vez, o Gato desligou o gato, resolveram comemorar.

A luz de velas.