DE MÉDICO E DE LOUCO ...

“- Péra aí, eu vou te matar, “seu” !” ... - falou o sujeito, enquanto ingressava abruptamente no ônibus parado no ponto. Diz-se que de médico e de louco todo mundo tem um pouco.

O motorista, tranqüilo ao volante, não lhe deu a menor bola. Decerto estava acostumado aos tipos esquisitos do seu dia a dia, naquela jornada infernal de trabalho. Era muito maluco na parada, meu irmão! Gente de toda a espécie, sabe como é, né? ...

Eu, sentado ali no tal do “chiqueirinho” (espaço destinado aos idosos), quieto, fiquei na minha. O tal cara sentou no banco vazio, à minha frente, o ônibus prosseguiu no seu roteiro e o mulato continuou falando sozinho.

“- Esse aí já está vendo cavalo voar ...” – pensei com os meus botões. Lembrei-me dos tipos que, nas ruas do centro, em São Paulo, Praça da República, Avenida São João, Avenida Ipiranga, Largo do Arouche, Anhangabaú, Praça Ramos de Azevedo, Praça da Sé, Praça da República e outros lugares menos votados, eu via durante minhas andanças, quando lá morei, sempre de olho nas pessoas, observador incorrigível das cenas do cotidiano. Serviam sempre para meus escritos, dando-me o mote para criar alguma história nova. Como a do negão enorme, forte, olhos empapuçados, vermelhos de sangue, que andava no meio do povo, de preferência onde o movimento fosse grande. De repente, ele se jogava ao chão, soltava um grito formidável, lancinante, rodopiando na calçada como esses dançarinos do tal de “street dance” ! Em questão de segundos se erguia, olhava de soslaio pros lados, conferindo a platéia e retomava seu caminho como se não tivesse acontecido nada. A palidez sumia das faces das mocinhas assustadas e o vai e vem das pessoas continuava.

Ou a daquele sujeito magro, alto, barbudo, sujo, espremido no vagão de metrô superlotado à hora do almoço, dirigindo-se à Praça da Sé. Tanta gente, mal dava pra se mexer, de repente o fulano gritava alto e bom som:-

“- Eu estou com AIDS, eu tenho AIDS, minha gente, AIIIDS! ...”

Num segundo fazia-se um claro em volta dele, todo mundo se embolando pros lados e ele, sorridente, folgado na roda, passando um lenço na testa:-

“- Mas que calor, heim, gente?! ...” – Filho da puta, ele só queria mais espaço.

Voltando ao ônibus, fiquei ligado no tal passageiro ameaçador à minha frente. O pesado veículo desceu a Rua Jacuí e virou à esquerda, na Rua Pouso Alegre, já na Floresta. Aí o celular do sujeito tocou (sim, ele tinha um celular), ele atendeu aos berros:-

“- Alô, fala “seu” ! ... Eu?... Tou levando minha chuteira pra consertar. Eu vou jogar hoje!...”

Dito isso se levantou, deu o sinal, o ônibus parou no primeiro ponto, ele desceu e entrou numa baita oficina mecânica bem defronte! ... Na certa pra consertar suas chuteiras.

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 11/03/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 11/03/2010
Reeditado em 11/03/2010
Código do texto: T2132846
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