Senso Crítico não É Amargura
Conversava sobre o Dia Internacional da Mulher com uma amiga.
Ela foi taxativa:
- Não gosto!
- Como não gosta?
- Não gosto. Acho hipocrisia. Enquanto tanta mulher sofre por aí, vítima de violência, das condições precárias de trabalho, salário, filhos...
Não me choquei. Esta mesma amiga também não gosta do Natal. Diz que tanta luz e brilho realçam ainda mais a solidão, o luto, guerras, rancores, pobreza... Mesmo com tanta comilança e bebedeira, há frio, fome, seca, doenças, egoísmo, falsidade... Em cada pacote de presente há a desumana comercialização da data, tornando ainda mais evidente e dolorosa a desigualdade social... Fico pensando o quanto é bonito isso, de se ter senso crítico. Isto é, ela está mesmo pejada de razão. Há tudo isso de ruim nessas duas datas. Há coisas igualmente desagradáveis associadas ao Ano Novo, aos dias dos pais, das mães, namorados. Se procurar bem, até no aniversário de cada um podemos achar alguns bons motivos para, macambúzios, nos recusarmos a participar da festa.
Mas eu, ainda que não tenha a menor vocação para Polyanna (personagem de Eleanor H. Porter) e seu jogo do contente, prefiro ser mais positiva, ver sempre o lado bom de qualquer coisa, inclusive e, principalmente, datas festivas. Não é ignorar defeitos, fingir que não existem. É tão somente não deixar que eles me tirem o prazer de dar um presente de Natal, escrever um textinho bonitinho para homenagear as mulheres no seu dia ou cozinhar para minha mãe no dia dela. E o resto? Bem, quanto ao resto, procuro fazer a minha parte. Não como o beija-flor da história do Betinho que tenta apagar o incêndio na floresta carregando gotinhas d'água em seu bico minúsculo, mas como alguém que entende ser bem mais efetivo conclamar aqueles que têm bicos maiores para levarem mais água de cada vez. É claro que ainda assim, não importa quantas andorinhas juntem-se a mim para fazer este verão, para todo lado continuará havendo inverno. Mesmo com a ajuda do corpo de bombeiros, muito da floresta será queimado, antes que a união faça açúcar, digo, a força e o fogo seja debelado.
Lembrei-me de um textinho cuti-cuti que circula na Internet, apócrifo, e que é mais ou menos assim:
Um escritor costumava passear pela praia em busca de inspiração. Um dia, depara-se com uma criança entretida em salvar Estrelas do Mar, lançando-as de volta às águas. Ele então a questiona, afirmando que ela jamais poderá fazer alguma diferença, pois enquanto salva algumas dezenas delas, outros milhões pelo mundo acabarão secando ao sol da manhã. Ao que o pequeno responde, com simplicidade, enquanto lança mais uma de volta à vida:
- Mas para esta, eu fiz a diferença.
Ser positivo é acreditar que valeu a pena. É ser como Carmen, uma outra amiga, coordenadora do projeto Casa do Saber que envolve voluntários, políticos e empresários para a criação ou reativação de bibliotecas em comunidades carentes do DF. Imagino sua alegria ao olhar para sua árvore de natal e ver pendurados nela os sorrisos e olhinhos de encantamento de meninos e meninas que, pela primeira vez na vida, tiveram contato com Monteiro Lobato ou Maria Clara Machado. É ser como Ângela, sobrinha do meu marido que pode, ao olhar o buquê recebido pelo dia das mulheres, ver, em cada rosa, a gratidão sincera das pessoas ajudadas por sua assistência jurídica gratuita, prestada em infindáveis sábados de trabalho voluntário.
Ainda que o esforço não seja suficiente para resolver todo problema, sem ele, só haveria o problema.
A realidade já é por si só bastante dura para que embotemos em amargura o brilho das coisas belas.