QUEM MEXEU NA MINHA ÁGUA?
Meu saudoso pai sempre me ensinou (na verdade me ensinou uma só vez, e o trago por toda minha vida) que nunca devemos mexer nas coisas que não nos pertencem. Mas parece que certos valores se perdem com o tempo, ou talvez sejam apenas relativos à cultura, sei lá! Quando adolescente aprendi ser certo não aceitar coisas erradas, hoje, entretanto, errado é não aceitá-las como certas.
O que dizer da honestidade? “Coisa rara!” –há quem diga- “deve-se prestar homenagem a pessoa honesta”- como fizeram certo tempo homenageando um mendigo por ter devolvido o dinheiro que encontrou no meio do lixo, enquanto procurava seu alimento. Tal dinheiro era referente ao pagamento do resgate da filha do então governador, creio eu (minha memória não é muito boa, assim como alguns valores se perder am na sociedade, alguns fatos que ocorreram quando eu era criança também se desintegrou com o passar dos anos). A recompensa foi um jantar com a tal figura ilustre (melhor seria chamá-lo: tosco), no outro dia o mendigo foi buscar, nos restos do jantar anterior, seu almoço. Que homenagem! Que desumano!
Outra pessoa devolveu os valores encontrados na lata de lixo, fruto de um assalto a uma determinada “casa lotérica”. Ele poderia ter escolhido ficar com o dinheiro que o ajudaria economicamente, uma vez que estava desempregado, mas preferiu devolvê-lo. Atitude honrosa e louvável. Atos como este não precisa de recompensa, espera-se de qualquer ser humano (ser pensante, ético, educado, civilizado, cortês...). Como a justiça divina não falha, uma comunidade religiosa o recompensou com a quantia equivalente, gesto lindíssimo da comunidade, a meu ver, tal atitude caracteriza-se como recompensa (ou resposta) divina, visto que o “camarada” necessitava de uma ajuda financeira.
Talvez chamem as pessoas honestas de “tolos”: - “viu? Foi devolver. Poderia ter melhorado de vida. idiota”. Fato é que o que se espera do ser humano, como algo natural tornou-se tal artificial que nem o reconhecemos como virtude, apenas como tolice.
“É nos pequenos frascos que estão os melhores perfumes”, expressão já desbotada pelo uso corriqueiro; “quem mente, também rouba” (frase que Hei Charles ouviu de sua mãe, quando ele era ainda criança). São nas pequenas atitudes que o caráter se esconde ou se aflora.
Mexer nas coisas que não lhe pertencem é (deveria ser) tão criminoso quanto roubar, se este mexer não se caracterizar roubo, pois na maioria das vezes o é, porém disfarça-se.
Quando cheguei à escola e me dirigi à geladeira para pegar minha água, e não encontrei, lembrei-me de que quando trabalhava em drogaria sempre comprava algo no mercado e o deixava na geladeira da loja, todos poderiam usufruir, sempre franqueava aos colegas de trabalho. Eram desde frutas a alimentos líquidos: refrigerante, leite achocolatado...; e todos se serviam (diferentemente da minha água, um frasco de água mineral que comprei e completei com água filtrada, vale ressaltar que, como o frasco é de uso particular, a ingestão é feita direto no gargalo do frasco), nunca reclamei exceto...
Um dia comprei um vidro de iogurte e, como sempre, franqueie aos colegas. O que deixou revoltado foi saber (não só saber, mas ver) que um descarado, mal-educado, tomava no gargalo, não usava copos ou outro utensílio. Minha atitude foi debitar na minha conta um frasco de um laxante poderosíssimo e despejá-lo desmedidamente na embalagem longa-vida de um achocolatado que comprara.
Os colegas foram avisados, menos ele, que foi promovido à realeza por dois dias –pelo menos ficou sentado no trono durante um tempo, creio que refletindo sobre vários assuntos.
Pois é, mexer nas coisas que não lhe pertence pode lhe causar grande dor-de-cabeça, ou de barriga.