DONA ROSA

Ainda me povoa a memória emocional aquela imagem doce, de uma meiguice sem igual. Sua voz muito baixa, como se não importasse a ninguém o que dissesse. Mas, creio que em seus lábios não habitavam a crítica, a maledicência, a maldição, porque cândido era seu olhar, demonstrando ser pura de alma. Normalmente, vestia uma saia escura, uma blusinha branca, de discretos desenhos, ou poás negros. Viúva, sua roupa sempre muito limpa e bem ajustada, uma verdadeira “lady” parecendo estar sempre pronta para sair.

Nesse tempo já era idosa, mas eu não sabia precisar a idade dela, pois, aos olhos da criança, mesmo o de meia idade nos parece velho. Lembra-me apenas o fato de subir a nossa rua, apoiada no braço de um familiar, andando muito devagar, sob o peso dos anos e a todos cumprimentando com extrema delicadeza.

Éramos crianças naquela época. Pequenas, de brincar de pique nas ruas e de andar pelos campos em busca de aventuras, de correr atrás das “aleluias” que voejavam à tardinha depois da chuva e de acreditar que a mula-sem-cabeça soltava fagulhas pelos olhos. Em nós não habitavam a malícia ou os maus pensamentos, apenas a urgência de ser feliz a todo custo, porque, na verdade, éramos mesmo.

Dona Rosa morava na fazenda, mas passava longas temporadas na casa da cidade, a poucos metros da nossa, Trazia consigo uma empregada que fazia parte da família, tantos anos com ela, Darci e alguns costumes, entre eles, o de fazer biscoitos e bolos de todos os feitios e recheios, no forno de barro. Minha irmã e eu freqüentávamos sua casa, porque éramos amigas de suas duas netas, Nazaré e Gracinha. Achava que, de certa forma, era um privilégio ter uma avó assim tão generosa, que vivia para a prática do bem.

O que hoje, após tantos anos, me chama a atenção, era a maneira peculiar com que nos recebia em sua casa e com que nos tratava, como se fôssemos pessoas adultas, da maior importância. Chegávamos da rua, suadas das brincadeiras, muitas vezes com os pés descalços, coisas que não tinham a menor importância para ela. Pedia à Darci que colocasse uma lauta mesa de café, com bolos, biscoitos diversos, como quebra-quebra (até hoje nunca comi outro igual), leite da fazenda, um bule de café torrado e moído em casa, tudo sobre uma linda toalha muito branca, bordada com pontos “richelieu” ou em crivo, como num dia de festa e o era para nós. Tudo contrastando com nossos pezinhos muitas vezes empoeirados que balançavam no ar.

Não me lembro de ter conversado com ela, em qualquer momento, porque, era tão aconchegante sua presença, tão desnecessária a fala e nos contentávamos com os meio-sorrisos de parte a parte. Tudo era muito natural.

Terminávamos de saborear os petiscos, saíamos discretamente, sem nos darmos conta de que a bondade morava ali e nos presenteara com um momento supremo de boa vontade, através daquele gesto de amor ao próximo. Quando dela me lembro, sinto a presença do bem dentro de mim, e a felicidade de ter convivido com um ser humano sem igual, que tratava a todos, com igualdade, miseráveis ou afortunados, adultos ou crianças, ricos e pobres, vez que aquela mesa era posta da mesma maneira, para aqueles que a serviam num trabalho esporádico, ou para um parente muito chegado.

Através dessas singelas palavras faço um tributo àquela pessoa que perfumou nossa vida como uma verdadeira flor.