SOLIDÃO OU ESTAR SÓ?
SOLIDÃO OU ESTAR SÓ?
Uma vez, quando ainda era adolescente, mas meu pai já havia morrido, minha mãe me disse: “minha filha, para não se sentir o peso da solidão, é necessário ter vida interior”. Um conselho muito estranho para se dar a um jovem atraído pela efervescência do mundo exterior, que ele principia a descobrir. Não tenho meios de descobrir se este precioso aviso é fornecido, com freqüência, pelos pais que são supostamente mais experientes que os filhos. O que sei é que, embora não tenha dado muita atenção na época, instintivamente fiz o que ela me dissera, e armazenei prazeres, experiências interiores. Nos momentos de isolamento ou depressão, estas lembranças me são muito úteis. Desenvolvi, por exemplo, o hábito da escrita, inspirado pela leitura, minha mola mestra, meu grande estímulo para efetuar mudanças necessárias, e providências urgentes para os males da alma.
Descobri que todos nós vivemos intensamente as experiências cotidianas. Temos uma existência emocionante e desafiadora. A diferença, entre os sociáveis e os eremitas, é que os primeiros gravam o que acontece e suas conseqüências, para repetirem no futuro as que deram certo. Por exemplo, os tímidos sentem uma espécie de pânico todas as vezes em que são levados parao meio de desconhecidos, como numa festa,. Fogem do confronto e nunca saberão como contornar esta dificuldade, que ampliará o seu âmbito. Como consequência, ficam desconfortáveis em entrevistas para empregos, nos relacionamentos amorosos ou com os colegas de colégio e da faculdade. Adquirem a tendência ao isolamento e se ressentem do fato, acusando os outros de serem os causadores deste desconforto e sofrimento. Ao contrário destes, os tímidos que enfrentam sua timidez e procuram o convívio com estranhos vão, aos poucos, perdendo aquele sentimento de insegurança e vencendo a sua grande dificuldade para fazer novos amigos e começar novos amores. Certamente são pessoas mais felizes.
Mas, este enfrentamento das próprias limitações, não é uma bula, uma fórmula que permitirá soluções em massa. Cada caso é um caso e cada temperamento reage de acordo com seu tipo e tendência.
Quero voltar agora ao conselho da minha mãe: ter vida interior. Eu era tímida e não gostava de festas, ao contrário de minha irmã, sempre pronta a aceitar os convites. Por ser a mais velha eu deveria acompanhá-la. O meu maior prazer era quando, por algum motivo, chuva ou doença, a obrigação era cancelada. Já vestida e maquiada, eu me lembro da alegria de despir o vestido de gala e retirar a maquiagem, para voltar à leitura do livro do momento. A maioria das vezes, no entanto, eu enfrentava o meu desafio e comparecia, sem deixar transparecer a minha dificuldade.
Hoje eu não me lembro da angústia de “ter de ir à festa”, mas lembro também do ambiente encantado dos bailes de formatura; do prazer de ser tirada para dançar, ao som de orquestras famosas, como a Tabajara. Do Clube do Fluminense todo iluminado, com seus vitrais coloridos. Do baile de gala no Clube Naval, no dia 11 de junho, Batalha do Riachuelo. E tantas outras. O que na ocasião me causava pânico, hoje suas lembranças aquecem a minha existência e criam uma vida interior muito rica, e até emocionante. É engraçado recordar o frio na boca do estômago, quando aquele rapaz tão lindo, dançando tão bem, perguntava no meu ouvido qual era o número do meu telefone. Quando eu dizia, ele repetia uma, duas, três vezes, para me mostrar que decorara. Quase sempre o contato ficava só ali, mas a magia do momento perdura até hoje.
Tanto a solidão quanto estar só, são opções, embora bem distintas entre si. A primeira é escolha inconsciente. A segunda é racional. Esta última a gente entende que seja uma deliberação. A outra é considerada um acaso, uma circunstância de vida. Isto não é verdade. Lá atrás, por algum motivo, por não querer assumir um relacionamento, uma responsabilidade, você iniciou o processo de isolamento, que foi ajudado pela vida moderna de “cada um por si mesmo”.
Nunca é tarde para consertar o que está errado. Se você, no fundo do seu coração deseja que as coisas sejam diferentes, comece por se perdoar. Por ter sido tão cruel consigo mesmo e ter interrompido e boicotado as oportunidades, que a vida lhe ofereceu. Depois faça uma relação daqueles a quem você tem alguma queixa. Dando prioridade aos mais próximos: companheiros ou parentes. Em seguida estabeleça um plano de mudança de atitude e comportamento, em relação a essas pessoas. Com metas a curto prazo, tipo “eu vou sorrir quando fulano (a) me aborrecer”. Veja o que acontece.. A reação do outro será de espanto. Se não der certo da primeira vez, se dê uma segunda chance e tente de novo.
Eu garanto que a solidão vai embora e você descobrirá que é uma grande pessoa, cuja companhia lhe agrada muito. Nesse momento passará a usufruir o prazer de estar só.
Petrópolis, 7 de março de 2010.