Rádio
Manhã de domingo. Dia da semana em que a família aproveita para dormir até mais tarde. Ding, dong! A cachorrada da vizinhança entra em delírio com o barulho! Ding, dong!Latidos e uivos ensurdecedores quebram a monotonia do silêncio! Ding, dong! A persistência enfurece a todos.
Rita levanta com cara de poucos amigos e vai atender a porta. Um senhor de cabelos brancos e sorriso cativante. “Bom dia, minha senhora. Será que a acordei. O dia está lindo e o sol promete um dia quente!”
“O que o senhor quer a estas horas?” O homem não se importa com a resposta. “A senhora pode me deixar roçar o seu jardim?”
Rita o olha e não entende. “Roçar que jardim, meu senhor?”
“Oras o seu?”
“Mas, a minha casa não tem jardim!”
Ela dá de ombros e volta para o interior da casa.
“Minha senhora; me deixa lavar o seu carro?”
“Meu senhor, o meu filho lavou o carro, ontem!”
O rosto do homem estampa a tristeza. “Sabe que é Dona eu moro no Alvorada 2, e estou hospedando na minha casa, bem, não é bem na minha casa, mas, no rancho do fundo o quintal, um casal do Paraná.”
Seu olhar mostra uma tristeza imensurável. “O casal está desempregado, e, eu tinha um rádio, o meu xodó. Emprestei para eles para que tivessem um pouco de alegria.” Uma lágrima escorre pelo rosto enrugado. “No temporal da semana passada um raio queimou o rádio!”
Rita ainda ensonada não entende a falação. “Dona, a senhora, por acaso não tem um rádio para doar?”
O coração da mulher amolece. Afinal, ele não é um pedinte, qualquer. O velhinho até se ofereceu para trabalhar. Rita pede para ele esperar. Liga para a sua mãe e pede um dos rádios da sua avó. “O que? Rádio? Você está delirando?” Rita, lembra do rádio do seu marido. O Phillips é herança do seu saudoso sogro. Entra no quarto, pé ante pé, e tira o rádio. Entrega para o senhor que a abençoa inúmeras vezes.
Rita e Rodolfo estão fazendo compras no varejão perto do terminal central de ônibus intermunicipal. Entram no carro. “Dona, por acaso a senhora não tem um terreno para eu roçar?”
“Terreno?”
“Ou um jardim para eu capinar?” O velhote deita falação. O casal ouve estupefato.
“O que? O senhor de novo? Chega! O senhor pegou o rádio, o qual pertenceu ao meu pai. Chega!”. Rita não acredita no que ouve. Seu marido tão calmo está enfurecido.
O trânsito flui. Rodolfo lembra que esqueceu a bandeja de ovos e retorna ao varejão. Muda o caminho de volta para casa e passa na feira de escambo na praça da esquina do terminal. Sinal vermelho. Carro parado. O senhor do rádio está sentado próximo a parede na calçada. Na sua frente um tapete vermelho expõe uma dezena de rádios usados para trocar ou vender.