Comentários ácidos sobre cena musical e espaços culturais em uma cidade
Aqui? Vivemos um confinamento musical. A cena musical daqui, além de ridicularmente inexpressiva, mostra uma latente incapacidade para a diversidade cultural. Quando não é um forró gritado, desafinado, são grupos que se dizem ecléticos, 'bandas de baile', que não conseguem sair do cansativo, da mesmice pop-sertanejo-universitário-romântico (cruz credo, a que ponto chegamos!). A novidade agora é o retorno do pagode, do "deixa acontecer naturalmente" que, naturalmente, também já cansou.
Sem julgar gostos, a questão é que não existe – nenhuma – opção além desse substrato musical que se encontra no limiar da mediocridade cultural nacional. Junta-se a isso a incapacidade de se fazer algo diferente, para além dessa via de mão única.
A questão é muito simples: ora, se 'todo mundo' supostamente gosta de amarelo, tem que se oferecer amarelo toda a vida para não se ofender ninguém, para se agradar sempre, certo? Discordo veementemente! Tem-se que mostrar o vermelho, o azul, o verde, o branco, o preto, as matizes misturadas, pois muitos podem, mesmo, preferir o amarelo, mas certamente alguns vão gostar do vermelho, vão querer mais do verde, vão criticar o azul, vão se incomodar com o branco, enfim, vão ter uma reação ao novo, ao diferente, ao rompimento da mesmice.
E é isso que provoca a elevação cultural das pessoas, da humanidade: conhecer a diversidade cultural, sair do cabresto e do confinamento. Se não for assim, continuaremos a viver a materialização do platônico mito da caverna: ao se enxergar as sombras, julgamos enxergar a realidade; quando na verdade a realidade está fora da caverna... ao conhecê-la, respirá-la, sentí-la, jamais voltar-se-íamos por espontânea vontade à caverna. Ou... será que a gruta cultural continua sendo mais segura? Seguramente, é a preferência de quem teme um ambiente propenso a diferentes opções e expressões, gerando novas opiniões e um possível rompimento com a mediocridade velada dessas fronteiras.
É assustador. Um breve pensar no assunto, e se percebe que hoje é assim, e amanhã será assim, e o mês que vem será igual, e o ano seguinte provavelmente também. A mesmice cultural perdura. É a mordaz e terrena cena do filme 'The Wall': todos caminhando para o moedor de carne. As mesmas faces moldadas. Mais um tijolo no muro. Aqui ruminamos culturalmente tal como os quadrúpedes que geram a economia local (curiosa coincidência?). É o homem se tornando a criatura: bate na cerca e pasta; pasta e bate na cerca; vai pro matadouro...nada mais. Aterrorizante. E frustrante.
Duvida? Faça a experiência. Vá a um estabelecimento qualquer que tem música ao vivo e tente – tente – conversar com as pessoas que estão sentadas junto de você à mesa. O volume daquilo que se diz música é tão alto que você não consegue ouvir sequer seus próprios pensamentos, quem dirá as pessoas a seu lado. Se quiser conversar, é obrigado a falar aos berros. É um mau gosto generalizado, um desrespeito ao cliente, ou seja, uma falta de bom senso que, ao que tudo indica, parece não incomodar a sociedade local...
Esse modo de ser parece estar cristalizado também no 'eficiente' atendimento desses estabelecimentos que se definem como 'bares' (todos iguais: mesas de plástico na calçada, bebidas, lanches, petiscos... ir a qualquer um é conhecer todos). Ao ocupar alguma mesa desses estabelecimentos, as gentis pessoas que se dizem garçons literalmente jogam o cardápio na sua mesa e passam reto até que você, aos berros e gesticulando parecendo alguém se afogando, chame o 'serviço' da casa. O mais triste é que esse é o modo de atender em todos os bares. Deve ter havido algum tipo de treinamento geral para esses profissionais em Excelência no Atendimento Eqüestre, para oferecerem um atendimento tão 'primoroso'.
Assim, parece que a curiosa coicidência é que o modus operandi da atividade econômica rege o modus vivendi dos cidadãos. Quem está aos berros diariamente com quadrúpedes está também aos berros socialmente, e um ambiente que remonta as farras bárbaras naturalmente não causa nenhuma estranheza social. É o enredo de outro filme, “Dogville”: todos cúmplices de uma podridão social, de um bolor fétido sustentado na ausência de vida e de esperança, no consumo em doses homeopáticas de suas próprias maledicências e desvios de conduta. Então, é notório que não haja espaço para se abstrair disso em vista de se alcançar um comportamento civilizado - quem dirá culturalmente evoluído.