TECNOLOGIA DO IMPOSSÍVEL
Damião Ramos Cavalcanti
Mesmo menino, não olhava com bons olhos homens voando nas revistas de quadrinhos. Alguns amigos os consideravam seus preferidos heróis. Mas, via naquela ficção um exagero, melhor “história de verdade”. Considerava voar ser coisa dos pássaros, privilégio que lhes dera a natureza. Nunca me atraiu a ficção do impossível. Daí, até hoje, rejeitar filmes em que automóveis saltam cânions, pulam rios sem ponte; dos “artistas” que acertam a bala na boca da garrafa, quebrando apenas o fundo do vasilhame, sabendo eu que, quando isso ocorre, ser obra do acaso e não pontaria do atirador. Preferia sempre comprar, na Banca de João da Revista, em Itabaiana, as revistas de Roy Rogers, Rock Lane que eram heróis do possível. Montados em cavalo, lutavam com soco, iguais a nós nas brigas da praça. Crianças, acreditamos nesses “artistas”, nos seus feitos e atos heroicos, coisas visíveis do nosso quotidiano.
Mas, muitas surpresas começaram a acontecer de uns tempos para cá. E comecei a admirar fenômenos que o meu sogro João de Luna Freire costumava classificar com uma frase que lhe era peculiar: “- É uma ciência...”, foi assim que comentou, 1975, ao ver confusas imagens na sua primeira televisão colorida. Confesso especial admiração pelas astronaves que partem da terra e tão distantes, noutro mundo, fiéis à vontade de controle remoto aqui na terra, engatam na Estação Orbital tal qual a aliança no dedo de noiva. Assusta-me a velocidade com que a tecnologia progride. Afinal de contas, apenas depois de 55 anos do voo do primevo 14 Bis, o homem, em 1961, voou com mais perfeição, e, muito longe, desceu na Lua.
Os astronautas soltos na estratosfera, flutuando no ar, como brincadeira nas águas do açude em Pilar, desfazem meu descrédito na tecnologia do impossível. Para completar, a Isto É dessa semana (nº 2102) anuncia que será comum qualquer homem voar. Em breve, ir pelo ar de casa para comprar um quilo de café na esquina será tão banal quanto andar de bicicleta à Banca de Jornal. Além de luxuosos “resort voadores”, movidos à energia solar, estarão à venda, já disponíveis desde 2007, os H202 para um só piloto voar como pássaro. Assusta-me a ser o avanço da tecnologia bem maior do que o das ciências humanas. Viveremos novas sensações, que aumentarão nossas vaidades e presunções em relação ao incessante domínio do homem sobre a natureza. O grande perigo é que a tecnologia chegue a convencer o homem de um onipotente poder artificial, que ele se arvore Criador, enquanto é tão somente cocriador; engane-se diante do abismo e voe tão alto como Ícaro ao ponto de esquecer que é uma frágil criatura.
Damião Ramos Cavalcanti
Mesmo menino, não olhava com bons olhos homens voando nas revistas de quadrinhos. Alguns amigos os consideravam seus preferidos heróis. Mas, via naquela ficção um exagero, melhor “história de verdade”. Considerava voar ser coisa dos pássaros, privilégio que lhes dera a natureza. Nunca me atraiu a ficção do impossível. Daí, até hoje, rejeitar filmes em que automóveis saltam cânions, pulam rios sem ponte; dos “artistas” que acertam a bala na boca da garrafa, quebrando apenas o fundo do vasilhame, sabendo eu que, quando isso ocorre, ser obra do acaso e não pontaria do atirador. Preferia sempre comprar, na Banca de João da Revista, em Itabaiana, as revistas de Roy Rogers, Rock Lane que eram heróis do possível. Montados em cavalo, lutavam com soco, iguais a nós nas brigas da praça. Crianças, acreditamos nesses “artistas”, nos seus feitos e atos heroicos, coisas visíveis do nosso quotidiano.
Mas, muitas surpresas começaram a acontecer de uns tempos para cá. E comecei a admirar fenômenos que o meu sogro João de Luna Freire costumava classificar com uma frase que lhe era peculiar: “- É uma ciência...”, foi assim que comentou, 1975, ao ver confusas imagens na sua primeira televisão colorida. Confesso especial admiração pelas astronaves que partem da terra e tão distantes, noutro mundo, fiéis à vontade de controle remoto aqui na terra, engatam na Estação Orbital tal qual a aliança no dedo de noiva. Assusta-me a velocidade com que a tecnologia progride. Afinal de contas, apenas depois de 55 anos do voo do primevo 14 Bis, o homem, em 1961, voou com mais perfeição, e, muito longe, desceu na Lua.
Os astronautas soltos na estratosfera, flutuando no ar, como brincadeira nas águas do açude em Pilar, desfazem meu descrédito na tecnologia do impossível. Para completar, a Isto É dessa semana (nº 2102) anuncia que será comum qualquer homem voar. Em breve, ir pelo ar de casa para comprar um quilo de café na esquina será tão banal quanto andar de bicicleta à Banca de Jornal. Além de luxuosos “resort voadores”, movidos à energia solar, estarão à venda, já disponíveis desde 2007, os H202 para um só piloto voar como pássaro. Assusta-me a ser o avanço da tecnologia bem maior do que o das ciências humanas. Viveremos novas sensações, que aumentarão nossas vaidades e presunções em relação ao incessante domínio do homem sobre a natureza. O grande perigo é que a tecnologia chegue a convencer o homem de um onipotente poder artificial, que ele se arvore Criador, enquanto é tão somente cocriador; engane-se diante do abismo e voe tão alto como Ícaro ao ponto de esquecer que é uma frágil criatura.