Passos da morte


       
Ela está por perto, a morte. E eu não ouvi seus passos. Chegou sorrateira a casa vizinha e levou com ela o assobiador*, assim de repente. Eu estava chegando a casa, fim de uma tarde em que a chuva dava uma trégua e o calor ameaçava voltar. Viera trazer os documentos do carro para que Lucas, nosso motorista quase oficial, fosse a Campinas buscar a nossa princesa adoentada. Ouvimos gritos, não os identifiquei. Era a morte passando, levando com ela o cuidador de orquídeas. Com certeza está faltando um jardineiro no céu, pensei. Logo o imenso carro vermelho chegou gritando, estridente, tentando assustá-la. Mas de nada adiantou, ela não se assusta fácil. Seus ocupantes ainda tentaram brigar com ela, tomar-lhe a foice, mas ela foi dura e não permitiu. Pouco depois um corpo saia pela última vez para a última tentativa, aquela que é feita para confortar os que ficam, mas que já se sabe, será em vão. E o silêncio do espanto se fez...

       E hoje, ainda bem de manhã, a casa ainda em silêncio, sem os barulhos que acordam a vida, o telefone tocou insistentemente. Levantei-me apressada, não querendo adivinhar: ela era outra vez. A quarta irmã tinha ligado, a madrugadora, a que cuida de nossa Fábrica de Pães: O Sergio morreu, ela disse sem preâmbulos. Desta vez, mais distante no espaço, mais perto ainda do coração, a Morte lançava suas sombras sobre nós.

     Sérgio de Mello Filho, apesar do sobrenome, não era parente, mas se tornou, ao casar-se com a prima Aimée e estabelecer raízes que se entrelaçara as nossas.Não deveria ainda ser a hora de partir, mas quem sabe a hora se não ela? Sérgio, um homem bom, um homem digno, aparentemente forte, não mais que de repente começou a sentir dores atrozes. Estava na hora de curtir a vida, curtir a família criada, mas isso não aconteceu. Em menos de um ano, apesar da luta, apesar do amor, hoje ele se foi. Não resistiu. Foi se encontrar com a menina juliana também vencida pelo mal do próprio signo quando ainda era uma esperança. E, quando chegamos lá, no Parque da Colina, um lugar de paz e onde a esperança se renova, foi dela que me lembrei. Do seu sofrimento, do sofrimento daqueles pais fortes e corajosos, sofrimento que se estendeu para todos nós. A vida é breve, pensei. Ontem eles ainda estavam começando a família hoje mais uma parte da família se esfacela. Ah, o tempo, essa entidade que dizem que não existe, mas que separa os homens das ilusões. Ali estava aquela família, mãe e seus dois filhos se despedindo do pai. E apesar da dor, do sofrimento visível nas aparências cansadas pela luta inglória era possível perceber a serenidade daquele grupo onde se destacava a mãe coragem, exemplo de luta sem fim, mas de aceitação da vontade superior. 05/03/2010

* Tema de uma crônica postada aqui.

Meu Blog:  http://marilim.net