TURMA DA MÔNICA ESTIMULA A VIOLÊNCIA?
Vivemos a era do politicamente correto e isso traz uma série de mudanças na sociedade moderna. Por exemplo, não se diz mais que uma pessoa é idosa e, sim, que ela faz parte da "melhor idade", que até dois anos era chamado de terceira idade (mesmo que na melhor idade a pessoa sofra com problemas de saúde etc). Não se diz mais que alguém é deficiente físico: é portador de necessidades especiais.
Um pai é proibido de dar uma palmada no seu filho, pois isso pode traumatizá-lo e, da mesma forma, se você tem 12 anos e tiver na turma alguém gordo, não pode chamá-lo assim. Nem o baixinho, nem o seco, nem nada. Apelidos são proibidos na era do politicamente correto porque isso se caracteriza bullying.
Imagine num colégio uma criança ser flagrada chamando outra pelo apelido. Ela seria levada para a diretoria e acusada de ter praticado bullying!! Não duvido que isso venha a acontecer (aliás, não duvido que já não aconteça).
O tal bullying é uma das palavras da ordem na sociedade do politicamente correta e representa todo o tipo de agressão verbal ou física que seja praticada por crianças (eu disse crianças, veja só) e também adultos.
Pois bem: eis que agora até a Turma da Mônica virou objeto de subversão. Quem lê revistas da Mônica, Chico Bento, Cascão ou Magali está sujeito a desenvolver características violentas, burguesas ou ter hábitos pouco saudáveis com relação a alimentação ou higiene pessoal.
É o que sustenta o jornalista Dioclécio Luz, que publicou um artigo no Observatório da Imprensa, alegando esses e outros elementos. Para ele, o fato da Mônica receber provocações e responder com porrada incute na mente das crianças que elas devem também agir assim. Devem ser violentas como a personagem de Maurício de Souza.
"[Mônica] tem uma característica: ela resolve as coisas na porrada. Tudo. Este é um elemento educativo complicado. Ao invés do diálogo, da negociação, apela-se para a violência. Quando está em apuros, é no braço, ou fazendo uso do seu coelhinho, que Mônica resolve. Moral da história: em situações de conflito, ganha o mais forte", diz o jornalista em seu texto.
Ele também argumenta que a Magali, com seu hábito de comer exageradamente, é outro mau exemplo. "Se uma criança que tenha obsessão por comer se identificar com Magali, não vai se esforçar para romper com essa obsessão", observa.
Sobra também pro Chico Bento que, segundo ele, apresenta uma visão burguesa e elitista da vida no campo. E por aí ele vai desenvolvendo outras considerações, dizendo ainda que a Turma da Mônica não recebe críticas por razões nacionalistas, por serem personagens brasileiros.
Agora, deixa eu falar: me criei lendo as revistinhas da Turma da Mônica. Adorava as histórias, os planos "infalíveis" do Cebolinha para tentar roubar o coelhinho Sansão que sem tal adereço, tal qual o mítico personagem, faria a Mônica perder suas forças; viajava na paisagem interiorana das histórias do Chico Bento, que se deliciava com árvores de goiaba e banhos de riacho; ria da forma com que o Cascão evitava tomar banho ou da fome da Magali; adorava as histórinhas da Turma do Penadinho, do Louco, do Rolo, da Pipa, do reflexivo Orácio...
Enfim, eu realmente era muito fã das histórias da Mônica e sua turma. E, creio, nem por isso me tornei uma pessoa violenta, nunca resolvi nada na porrada, nem deixei de tomar banho etc.
Todos esses personagens e suas características fazem parte de um folclore moderno, criativo e sadio. Aliás, só tenho a agradecer para o Maurício de Souza e sua turma, porque eles me ajudaram a despertar o gosto pela leitura e também pela escrita e acredito que continuam fazendo isso pelas novas gerações.
O jornalista Dioclécio Luz diz que a Turma da Mônica não recebe críticas por questões nacionalistas. E o que ele me diz da obra da Monteiro Lobato, então: temos a Tia Nastácia, "uma negra boa" como ela é descrita, que trabalha como serviçal, temos o saci que fuma um cachimbo (seria crack?), tem a boneca Emília, com seu pó de Pirlimpimpim que fazia os personagens "viajarem" (seria cocaína?) e por aí vai.
Não estou dizendo que os personagens de Monteiro Lobato seriam subversivos mas, sim, que é possível enxergar problema em qualquer coisa. Dá, sim, para achar cabelo em ovo. Dá sim para contra-atacar e criticar qualquer obra literária, qualquer autor, qualquer ideia, qualquer coisa.
E sugiro ao jornalista que, da próxima vez em que decidir estudar a respeito de obras de entretenimento e suas "mensagens subliminares", o faça com base em programas televisivos como Big Brother, Ana Maria Braga, novelas, Faustão ou a músicas de bandas como a Dejavu, Calypso, Calcinha Preta, Bonde do Forró e etc ou mesmo novelas, ou programas jornalísticos tipo Jornal Nacional e genéricos ou o péssimo exemplo de senadores e deputados de nosso país, ou mesmo da igreja etc.
Porque eu sei que em 1954 um psicólogo chamado Fredrick Werthan publicou um livro chamado "A Sedução dos Inocentes" que representou um dos mais destrutivos tratados contra as histórias em quadrinhos. Hoje em dia muita gente faz piada por exemplo com Batman e Robin, sugerindo que eram um casal gay ou com a Mulher-Maravilha, que seria lésbica. Mas poucos sabem que essas foram ideias propagadas por Werthan em sua famigerada obra que ainda se dava ao trabalho de apontar as "mensagens comunistas" proferidas nos gibis.
Por causa dele muitas revistas em quadrinhos foram queimadas, destruídas, tiradas de circulação. A verdade é que o estrago causado por esse psicólogo ecoou mais ou menos até o início dos anos 80, quando os quadrinhos começaram a ser reconhecidos como arte (e não há dúvida que Watchmen, de Alan Moore, e O Cavaleiro das Trevas, de Frank Milller, comandaram essa reviravolta que nos anos 2000 veio a repercutir no cinema...).
Pois bem, Werthan afirmava naquela em 1954 que os personagens de quadrinhos estimulavam a delinquência juvenil. Corta para 2010: é a mesma coisa que o jornalista Dioclécio Luz está dizendo. Ou seja: é um discurso já conhecido. É uma nova caça às bruxas, uma reedição moderna de "A Sedução dos Inocentes".
Na minha infância, vivi muita coisa difícil mesmo. E só tenho a agradecer à Turma da Mônica por terem sido meus amigos e me ajudado a crescer e terem me permitido entrar no mundo deles e aprender coisas com elas. Ainda que nunca tenha resolvido as coisas na porrada, ou ficado sem tomar banho ou comer exageradamente. E, da mesma forma, os super-heróis da Marvel e da DC foram pra mim uma grande inspiração de vida.
Como leitor de histórias em quadrinhos e pela criança que fui, apaixonada pelas histórias da Turma da Mônica, só tenho a dizer o seguinte para o jornalista Dioclécio:
Como profissional, não direcione o teu olhar crítico para uma obra literária de tamanho valor que é a Turma da Mônica, querendo transformá-la num instrumento subversivo e porta-estandarte da violência e maus costumes. São revistas em quadrinhos, meu amigo. Gibis. Há coisas muito piores na sociedade moderna que destroem a inocência das crianças.
Tu merecia levar umas "sansonadas" para ver se acordava para a verdadeira realidade...