Tsunami no Ceará

        Escrevia eu esta crônica e de uma amiga baiana, muito espevitada, ouvi o seguinte:
        "O quê? Tsunami no Ceará?
        Alinhavando um sadio gracejo, completou: "No Ceará não tem disso não, não tem disso não,meu Bichim..." 
        E cantarolou, meio desafinada, o imortal baião do Gonzaga.

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        Depois de ler tantas notícias sobre a rebeldia das ondas, nos quatro cantos do mundo, um velho amigo cearense, o Nicodemos, sempre muito lúdico, acabou de me telefonar.
        Para dizer, que os "verdes mares", por Alencar chamados de "bravios", vez em quando se retam - "como se diz na sua Bahia" - e investem, com imensurável furor, contras as lindas praias de Fortaleza, derrubando tudo.
        E numa exagerada avaliação, admitiu que os estragos são bem parecidos com os provocados pelos "tsunamis de verdade".
        Passou, em seguida, a condenar as ondas assassinas, gigantes e irreverentes, que, enfatizou, "invadem o continente, levando tudo o que encontram pela frente".
        Concordei com ele. Lembrando-lhe, ainda, que na sua incontida fúria, elas não poupam, sequer, o animalzinho de estimação das famílias que, depois desse
abraço funesto, desaparecem para sempre.

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        Enquanto os Tsunamis e os terremotos aconteciam em plagas distantes, lá pela Ásia, por exemplo, eu lamentava a catástrofe, mas não chegava a pôr as minhas barbas de molho,
        Mas depois do que ocorreu no Haiti e no Chile, conclui que os tusinames e os terremotos estavam mais próximos de mim do que eu podia imaginar.
        Achava que o Brasil, "a terra abençoada por Deus", estava livre de terremotos, tsunamis e vulcões.
        Vulcão? A lembrança que guardo dele resume-se a dois momentos distintos e distantes. 
        O primeiro quando, visitando a cidade de Pompéia, descobri o Vesúvio envolto pela lua cheia que, naquele crepúsculo, embelezava o céu da Itália.
        O segundo momento foi quando estive aos pés do Osorno, deixando - pasmem! - de conhecer a sua cratera por mera covardia: não quis enfrentar o possante teleférico que leva o turista ao ponto mais alto do belíssimo vulcão chileno.
        Tsunamis? Deles só tinha conhecimento através dos jornais e das televisões.
        Terremoto? Vi, em Assis, o estrago que ele chega a causar: quase derrubou as basílicas de São Francisco e de Santa Clara.
        Embora os entendidos andem afirmando que o Brasil, graças à sua privilegiada posição no planeta, está livre de vulcões, tsunamis e terremotos, depois do Haiti e do Chile, não consigo dormir o sono dos tranquilos. 
        A Natureza é bela mas é traiçoeira.

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        Mas voltando à minha terra.
        Eu, rapazinho, frequentador do mar de Fortaleza, não só uma, mas várias vezes, presenciei as ondas bravias  querendo engolir  a praia de Iracema e a praia do Pirambu, ou Piroleste, apodo que lhe aplicou um cantor popular brega.
        Não eram tsunamis, claro; eram ressacas violentas.
        O saudoso compositor cearense, Humberto Teixeira, diante da voracidade dos verdes mares bravios da sua terra natal, fez esta modinha - vocês se lembram? - que Marlene interpretou, com muita graça. Recordem:

        "Eu vou pro Ceará / Eu vou, eu vou, meu bem. / Meu povo está chorando. / Vou lá chorar também. 
        =  Eu vou ver o mar,/ Dizer para o mar / Que arrespeite  ao menos / A casa do meu bem. 
        =  Responde, verde mar, / Por que tu te zangou/ Matando num abraço / Quem tanto te beijou?  
        =  À Praia de Iracema / Foi sempre o teu amor. / Não leve meu coqueiro, / Deixe em paz meu bangalô!"

        Para um mar raivoso, a suavidade da música e a ternura da poesia do Doutor do baião, num apelo que parecia irresistível.
        Mas, indiferente à súplica musicada do compositor, o mar, segundo estou informado, continua batendo...       
        E o meu amigo logo chamou isso de tsunami cearense.


 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/03/2010
Reeditado em 05/03/2010
Código do texto: T2121499