A DISTÂNCIA ENTRE OS NOSSOS OLHOS - Uma Crônica de Casamento
Sabe do que sinto falta?
Sinto falta da magia da primeira vez, quando as canções diziam coisas sobre você e mim. Havia aquele nervosismo de não saber se você vinha para ficar; o medo de você partir no ritmo do primeiro vento a soprar, desencadeado pelo som de alguma besteira falada - e acredite: os homens são especialistas em falar a coisa errada na hora equivocada - sim! Havia um controle bobo do que saia da boca e um descontrole tolo do meu corpo que ansiava por fazer parte do seu.
Daí, eu te pedi para casar comigo e você disse sim; e os sinos tocaram, os grãos de arroz voaram, e olha nós dois aqui, dez anos depois, unidos por um inocente juramento de ficarmos juntos para sempre.
Eu pensava sobre isso ontem à noite, quando você chegou, e eu liguei o rádio, na esperança de ouvir a nossa melodia, mas não havia canções sendo tocadas que falassem de nóis dois. Fiquei nervoso comigo mesmo, pois acreditando que a magia tinha se ido, desejei em silêncio que você também tivesse partido, sendo levada por um segundo vento; encantada por algum outro amor que também te pedisse para ficar - e como você voltou para casa, falei todas aquelas coisas erradas, na esperança que alguma briga trouxesse o romance de volta, ao invés, dessa idéia de divórcio.
Você não brigou comigo, nem eu quis prolongar o jogo infantil de te perder só para te ter novamente. Porém, quando fomos dormir, e você chateada, não me abraçou, nem disse "bom noite", percebi que casamento é um namoro diferente; o romance não está no bater de joelhos adolescente ou na mão suada inocente, e sim no deitar abraçadinho; no acordar bem juntinho; no bom dia com amor que a gente ouve ao sair de casa, e tem muito mais valor durante todo a jornada de sair e voltar para o lar do encontrar, nos esperando, aquele alguém que já não conseguimos imaginar a vida sem.
Se com o tempo, perdemos a espontaniedade e a surpresa de não saber o que vai acontecer; ganhamos o conforto de um amor maduro num compromisso sadio com alguém que está ao nosso lado para valer; e que insiste em ficar com a gente, mesmo tendo descoberto que por trás da máscara daquele príncipe encantado que a conquistou, há, muitas vezes, apenas um sapo assustado, inseguro do seu próprio amor.
Hoje quando você acordou e sorriu para mim, dei-me conta, enfim, que não é o tempo que aumenta a distância entre os nossos olhos; o que os separa é a tentativa inútil e juvenil de olhar para a árvore que vimos crescer e ficar com saudade de quando ela era apenas uma semente; e perder com isso, os melhores frutos dessa colheita que é uma vida em conjunto chamada casamento.