A matemática e a língua francesa

Estou começando a desconfiar que são poucos, muito poucos, os que sabem ensinar. O problema nunca está em quem aprende, mas,sim, em quem ensina.E isto vale para qualquer setor da vida.

Um exemplo gritante é o ensino da matemática, a maioria de nós saiu dos bancos escolares sem saber a bendita matemática. E vou logo dizendo, eu sou um deles. Não ria, por favor. Mas não é verdade o que estou dizendo?

E ainda existiam professores da abominável matéria, que além de não saberem ensinar, procuravam esconder o que sabiam, fazendo da matemática quase que uma doutrina secreta, sem qualquer alusão ao ocultismo oriental.

Meu professor de matemática no primário, que torço para que esteja bem oculto no além, era um que se deleitava em dificultar o entendimento dos garotos de 10 anos de idade. Conclusão: peguei um baita de um complexo que me acompanhou a vida toda e não teve psicólogo que desse jeito. O meu bloqueio foi tão grande que um outro professor de matemática, no ginásio, um dia me chamou em particular, isto no terceiro ano ginasial, para me dizer que foi à Secretaria da escola para ver as minhas notas nas outras disciplinas, como Português, História, Inglês, Francês, Geografia, Ciências, etc. E ficou surpresíssimo, pois verificou que eu só tinha notas bem altas nestas matérias todas. Confidenciou-me o professor que estava achando que eu fosse um aluno bem relapso, ou, pior, que talvez tivesse algum retardo. Expliquei ao professor do meu complexo e até lhe disse que adorava naturalmente algumas disciplinas, especialmente, português e história. E amava também o estudo das línguas, principalmente, o francês, na verdade, por um motivo inconsciente. Senti muita ternura pelas três professoras de francês que tive, não só porque foram excelentes professoras, que sabiam ensinar, mas também porque eram muito belas. A primeira, Dona Julieta(Julietá),depois, Dona Eulália e, por fim, no curso Clássico, Mme.Balina (Baliná). Para a Dona Eulália, a turma do ginásio fez até uma paródia para ela, aproveitando a música da época, Jambalaia, mas o recato me impede de colocar aqui a letra, para desespero, sei muito bem, do companheiro recantista Roberto Rego. Nada que abale a moral vitoriana, brincadeirinha de meninos. Ele que me telefone, se quiser que eu cante a paródia toda. Quanto à Mme.Baliná, que nos apresentou aos grandes autores como Zola, Balzac, Molière, Racine, Stendhal, Guy de Maupassant e tantos outros, meus bons neurônios,ajudados por sinapses poderosas, gravaram fortemente uma frase que ela costumava recitar, de um poeta francês, se não me engano, Chauteaubriand, cuja poesia começava assim: “ Écoute, parlons bas! Esta miúda frase, com a voz melosa e poética de Mme.Baliná, que nos ensinou muita literatura francesa, volta e meia ecoa nos meus ouvidos, que até me assusto. Já me disseram que isto não é normal, mas se é uma obsessão, quero ficar com ela, pois é uma doce obsessão. Embora as francesinhas apimentem um pouco a narrativa, é preciso voltar ao assunto do péssimo ensino da matemática, pois é uma coisa muito séria, deixando para revelar ao final o verdadeiro motivo do meu amor pela língua francesa. Retornando à matemática, vejam o que diz o notável psicólogo Piaget, no seu livro “Para onde vai a Educação?”: “... Nossa hipótese é portanto a de que as supostas aptidões diferenciadas dos “bons alunos” em Matemática ou Física etc., em igual nível de inteligência, consistem principalmente na sua capacidade de adaptação ao tipo de ensino que lhes é fornecido; os “maus alunos”( olha eu aí, entre aspas) nessas matérias, que entretanto são bem sucedidos em outras, estão na realidade perfeitamente aptos a dominar os assuntos que parecem não compreender, contanto que estes lhes cheguem através de outros caminhos: são as “lições” oferecidas que lhes escapam à compreensão, e não a matéria...” Concluo eu, agora, triunfante,com toda a convicção, escudado por Jean Piaget, que sempre tive péssimos professores de matemática, com exceção daquele professor que teve a sensibilidade de procurar ver o que estava acontecendo comigo. Na verdade estou sendo bondoso com ele, era humano, sem dúvida, mas claudicava também um pouco na maneira de ensinar. E precisei ficar idoso para descobrir o que Piaget disse, e tomando a decisão de arregaçar as mangas e começar a aprender o que deveria ter aprendido quando menino. Esta maravilhosa ferramenta que é o Google, em busca frenética que fazia para descobrir um bom ensino de matemática, para exorcizar esse fantasma, me deu a dica: o site “só matemática”. E estou “matando a pau” frações, equações de 1º grau, de 2º grau,razões, proporções, regras de três, etc.,etc. Logo, logo, finalizo o ensino fundamental. As coisas, porém, nunca são completas e o mundo não é um mar de rosas. Preciso confessar que, embora tenha exorcizado com facilidade o fantasma da matemática, resta acertar o meu excesso de amor pelas antigas francesinhas, pois vejo, agora, que tanto a carência como o excesso são prejudiciais ao ser humano. Os extremos não são bons. Há que se encontrar o equilíbrio. E, falemos baixo, como dizia Chateaubriand: acabei não conseguindo falar francês, porque me interessei mais pelas professoras encantadoras do que propriamente pela língua francesa. Coisas da idade... Para este problema nem o Google dá jeito.