A mesma não suportou o mesmo
Itamaury Teles (*)
Trabalho como operário das letras faz mais de 40 anos. Comecei fazendo jornais estudantis, pouco antes de ingressar, como repórter, n’O Jornal de Montes Claros. Isso no longínquo ano de 1970.
Daquela ditosa época a esta parte, venho tentando aprender com meus mestres como escrever com objetividade e clareza. Louca e árdua tarefa. Neste particular, lembro-me do Waldyr de Senna Batista, austero e exigente redator-chefe do “JMC”. Nem sempre paciente e lhano no trato, Waldyr forjou uma geração de jornalistas que hoje muito lhe devem.
Implacável copidesque (revisor de textos), não admitia muletas linguísticas, tipo “como se sabe”, no inicio das frases. Nessas ocasiões, chamava os focas (repórteres neófitos) e faziam-nos perceber da desnecessidade daquela expressão, dizendo em alto e bom som, que “se todos já sabem, a noticia é velha”...
Quando substituí o Alberto Senna, na editoria de policia, Waldyr atribuiu-me nova incumbência diária: ler a página policial do Jornal do Brasil. Queria que a nossa tivesse o mesmo talhe discreto do JB. A bem da verdade, muitas vezes tive dificuldade de encontrar a referida página naquele jornal carioca, em função do elegante texto, em nada parecido com as elaboradas por jornais sensacionalistas.
Como consequência natural desse aprendizado, passamos a observar textos alheios com o mesmo rigor, em busca do passível de ser melhorado. Mas se não nos policiarmos nessa tarefa, estaremos fadados a nos transformar em autênticos chatos de galochas.
Por isso, o que nos move, aqui e agora, é a intenção de colaborar, de alguma forma, por uma maior equalização de conhecimentos. Longe deste pobre mortal, portanto, querer menosprezar ou ridicularizar quem se aventura nessa difícil seara das letras.
Feito esse intróito, um tanto extenso, vamos ao que nos interessa comentar. Trata-se do uso do pronome demonstrativo “mesmo” e “mesma”, desacompanhado de substantivo, para substituir ele(a) ou este(a). Apesar de constituir-se erro crasso e deixar o texto confuso, até mesmo o velho Machado de Assis cometeu tal escorregão, apontado por Aires da Mata Machado, após asseverar não haver igualdade entre ele e mesmo (“Apareceu um relatório contra os mesmos e contra outros”).
Assim, quandoque bonus dormitat Homerus ou, traduzindo do latim, o bom Homero às vezes cochila, como nos ensinou o Professor Jésus, na Faculdade de Direito. Noutras palavras, até o sábio às vezes se engana...
Por esses dias, pincei uma manifestação de leitor, publicada em jornal, que dá bem a dimensão do problema. Reclamava da fragilidade das tampas das denominadas “bocas-de-lobo” instaladas em Montes Claros, e do perigo que representavam. E testemunhava: “Na Rua Correa Machado, próximo ao Centro Regional de Saúde, já vi carros serem danificados ao estacionar porque as mesmas não resistiram ao peso dos mesmos e olha que foram carros pequenos, imagine os de maior porte.”
Na capital paulista, da mesma forma, há uma lei municipal que vem sendo alvo de chacotas. Prevê a afixação de aviso ao lado das portas dos elevadores, nos seguintes termos: "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar". Depois disso, demonstrando que o paulistano também tem verve, várias comunidades surgiram nos sítios de relacionamento na internet – no Orkut, em especial – sob o título “eu tenho medo do mesmo”. Como se o “mesmo” fosse um bicho-papão que assusta criancinhas e que estaria por perto, de tocaia, para abocanhar os incautos usuários do elevador...
(*) jornalista e escritor
e-mail: itamaury@hotmail.com