Encontro

Senti sua mão fria em minha nuca, mas não tive pressa em olhar. Tive dúvidas sobre quem era, e quando chegamos a certa idade já não esperamos tantas visitas, no meu caso, há tempos não recebia visita alguma, talvez fosse apenas imaginação, afinal de contas velhos imaginam coisas, e foi aí que ouvi sua voz. Era uma voz fria e ao mesmo tempo confortante, como se tivesse esperado ouvir aquela voz há tempos.

- Acho que me atrasei.

- Se for quem eu estou pensando deveria ter vindo há tempos.

- Ora, de onde eu venho demora pra chegar.

- Agora não me adianta mais, de que serviria você para um velho? Já vivi tudo, agora estou sozinho, já não sinto o cheiro da grama, o gosto do doce, só sinto aquele remédio horrível que me fazem tomar todos os dias, dizem que é para os ossos.

- Mas por que o senhor está aqui? E a vida que sonhou?

- Você demorou, te esperei minha vida inteira, enquanto esperava fiquei vendo ela passar e ela passou, por isso estou aqui.

- E pra que me esperou tanto?

- Acreditei que com você teria luxo, mulheres e carros... Mas sabe como é dona moça... Dá preguiça procurar alguém então eu esperei, esperei, esperei e nada.

- E desistiu, fácil assim foi?

- Pois é. O problema é que a gente tem que trabalhar, tem que cuidar da casa, pagar pro governo pra quando a gente ficar velho enfiarem a gente numa espelunca dessa aqui com comida gelada. Não me queixando, até gosto da enfermeira bonitinha mas a comida podia ser melhor. Há tempos que sinto falta de um belo bife com batatas.

- E sua família, cadê?

- Ora dona, eu sou do mundo, tenho família não. Bem que devia ter casado com uma dona potrancuda e feito uns fio nela mas não era vida pra mim não. Eu sempre fui homem do mundo e agora to trancado aqui. Nenhuma das mulheres da noite vieram me visitar, tampouco algum dos meus parceiros do jogo, ou de bar. Fiquei aqui com a enfermeira. Não me queixando não, ela quando eu era mais novo daria um bom caldo.

- Entendo... Mas não sentiu falta?

- Olha, a vida toda não senti não. Mas as vezes penso que seria bom alguém pra tampar a minha panela. Acho que eu nasci mesmo pra ser frigideira, tenho tampa não. Não adianta moça, tem gente assim que nem eu que não tem jeito. Eu nunca soube ser de uma mulher só, hoje não tenho nenhuma.

- Você nunca teve jeito mesmo, te observei sempre de longe.

- Pra você ver. Até no jogo do bicho já ganhei, deve ter sido obra sua então.

Ouvi aquela voz rindo, como se tivesse se divertindo com a conversa. Na verdade eu também estava apesar de não ter pé nem cabeça era bom ter alguém pra conversar.

- Eu não ajudo ninguém não.

- Tá bom que não ajuda. Você só não me ajudou. Mas tudo bem moça, eu entendo. Também não corri atrás, achei que você chegaria a mim.

- E cheguei não é mesmo?

- Agora não adianta mais! Até pra usar o banheiro preciso de ajuda. Agora eu sou um velho e velhos são só velhos. Eu só vivo pra cobrar o que paguei todos esses anos pra esse governo safado e o que eu tenho em troca é a comida gelada e a enfermeira que daria um caldo.

- E tá feliz assim?

- Olha, feliz mesmo, pra valer eu fico de domingo. Domingo tem o bingo e mesmo sem você pra me ajudar eu às vezes consigo levar alguma coisa, sem dizer que no domingo a comida é quente e de vez enquando tem até sobremesa... Dá pra reclamar não.

- E você passa a semana inteira esperando o domingo?

- Ora, já disse, na minha idade a única coisa que me resta é esperar. Mas não por você não. Alias, pode ir embora, essa conversa tá me dando um sono...

- Mas você sabe quem eu sou pra dizer que não me espera?

- Ora tu é a Sorte. A Sorte que não veio quando meu tio rico morreu e não deixou de nada pra eu. A Sorte que não veio nos números premiados e a Sorte que correu de mim quando quis casar com a filha do coronel.

- Errou, eu sou a morte.

-Agora entendi esse sono todo...

Fernanda Motão
Enviado por Fernanda Motão em 04/03/2010
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