Subtilezas da harpa paraguaia

Agora é agosto. Um tempo ainda prematuro para se falar de natal. Mas hoje me ocorre esta data tão particular. Especialmente por me vir a mente, as harmonias de Luís Bordon, e sua harpa paraguaia.

Certamente não falarei de natal. Até porque, por convicções próprias, me recuso a tecer muitos comentários sobre esse período recheado de equívocos. Mas falarei da onipresente harpa paraguaia.

Ninguém, certamente, passou incólume a estas músicas. Temas natalinos já executados à exaustão, que preenchem de lojas de brinquedos à lares de famílias sorridentes.

Uma das coisas mais obrigatórias do natal, mais até do que o cadáver de peru que repousa sobre a mesa, com suas indecentes coxas, a música da harpa certamente cria o clima. No momento, não me ocorre nada mais apropriado. Uma trilha sonora perfeita. E sabemos que a trilha sonora é algo imprescindível para se criar uma atmosfera. Mas não é qualquer música que cabe em qualquer situação. Imagine por exemplo, o filme “E o vento levou”. Na cena em que a câmera se distancia do carvalho, onde está Scarlet O’hara e seu pai. Se ao invés do tema instrumental, fosse tocado um xaxado, a cena perderia seu significado. Ou então, viraria uma comédia. E o mesmo com o natal. Não tem como imaginar uma ceia, ao som do Metallica ou da Maria Rita. Tem de ser Luís Bordon.

Confesso que não sei nada da biografia dessa pessoa, nem por que se meteu a transcrever todo tipo de música para a harpa. Suspeito que para castigar aos outros. Ele deve ter pensado: “vou transcreve os temas natalinos para a harpa, grava-los no inconsciente coletivo, e mesmo que não agüentem mais ouvir, ainda assim, no ano seguinte estarei lá, impávido, junto com o peru e aquela cidra que sempre dá dor de cabeça”.

Tenho a teoria que os porres terríveis que se têm no natal, são fruto não da bebedeira, mas da combinação desta com a harpa paraguaia. E nós sabemos como os produtos paraguaios podem ser perigosos.

O que eu fico tentando realmente descobrir, é de quem realmente parte a idéia de se usar Luís Bordon na ceia. Suspeito que seja daquela tia já de idade provecta, que não tendo como castigar aos parentes como se deve, coloca essas músicas para transformar a noite numa tortura. Mas o pior, é o outro efeito que a harpa produz. Algumas pessoas, já tomadas do álcool, cismam que têm de ter um rasgo de sinceridade, aproveitando o momento de confraternização que a música produz. E começa a choradeira. Chora-se pela miséria do mundo, pelo dinheiro emprestado que não voltou (sempre é o cunhado), pela beleza da noite de natal, pelo papai noel que vai deixar um presente no sapatinho da janela, e pelas begônias plantadas lá fora. Enfim, ninguém sabe exatamente por que chora, ma a culpa é da harpa.

E impressionante perceber, a capacidade de duração dessa música. Coloca-se o CD, e a impressão que dá é que ele dura 4 horas. Fico imaginando as unha do pobre Luís, ao gravar essas obras.

Entretanto, acho que temos uma vantagem em relação ao resto do mundo. Aqui, é só a harpa. Mas em alguns lugares dos EUA, por exemplo, há corais de crianças branquinhas com bochechas rosadas. E dá-lhe “We whish you a merry christmas”.

Com direito a sininho e tudo.

Dizem que natal é o período de renovação da fé. Eu não acho. Acho que é um período do estouro do cartão de crédito. Dizem que nossos corações estão mais abertos. Mas acho que é uma ótima oportunidade para as famílias se degladiarem de maneira discreta. No fim, o que salva mesmo, apesar da breguice, da repetibilidade e da insistência, é a harpa paraguaia de Luís Bordon. Talvez seja a única coisa sincera do natal. E chata, insistente, e com certeza, não é um primor da música erudita. Mas pense comigo: é melhor do que ficar com os ouvidos impregnados de coisas ultrajantes como o pagode de ex-universitários ou a música sertaneja travestida de hard-core (que alguns chamam de emo-core).

Apesar das críticas, e reservas pessoais, acho que a única coisa que vale a pena no natal é a harpa. Porque celebrar a vida, a vinda do menino Deus, a fraternidade e todos esses valores bonitinhos, são coisas que deveriam ser feitas todos os dias.

Salve a harpa paraguaia.

Agora, só me resta uma dúvida: quem, afinal, teve a brilhante idéia de levar esse instrumento para o Paraguai????

E agora, me resta mais um medo: tomara que ninguém tenha idéia de levar uma cítara ou qualquer instrumento indiano para lá. Pois já posso até imaginar o anúncio: “O trio “las Perlas”, interpreta clássicos natalinos e outros obscuros, em seu conjunto de cítara, tabla e reco-reco”. Mas espere aí: reco-reco, não é um instrumento tipicamente brasileiro? Não importa. E a globalização.....

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 08/08/2006
Código do texto: T211890