Beijo ardente

Certa vez comentou com uma amiga sobre a teoria da flutuação. Elevou a teoria de tal maneira em seu mérito que acabou transformando todo o conteúdo abstrato em verdadeira educação da flutuação. Viver é flutuar, quem não sabe flutuar desconhece o que é viver, portanto consiste em grande peso aos demais.

A alma inexiste, o que existe é a biologia em transformação continuada, até que se dispersa em moléculas, perdendo matéria. Com o terremoto no Chile a terra perdeu peso, vamos flutuar um dia novamente. Explicava com ar doutoral. Há mais espaço do que vida concreta no universo. O próprio universo produz com amplo esforço da gravidade bolinhas inabitáveis. Somos até agora exceção com a crença primitiva de que o infinito produziu um arquiteto, e o arquiteto, prenhe de engenharia, produziu o caos, a tênia e os monstros fósseis; até alcançar nossos dias. Arquiteto que precisou do tempo milenar (lembrou enfático enquanto solicitava novo uísque) para melhorar a estética da criação na totalidade.

Elizete arregalou os olhos como se perdesse momentaneamente a voz interior o que para ele, já provava o quanto a massa se perde na respiração das palavras, para flutuar no verbo. Estava com medo da teoria que negava tudo o que havia aprendido até agora além das cantadas psicanalíticas do bacharel. Cada ser em formação guarda um espaço para flutuação e dele se alimenta. Para lá deste retrato só existe o Sartre. Pontuou o filósofo com brilho nos olhos.

Terminou o discurso provando que flutuar poderia incidir num erro de avaliação diferente de voar, muito diferente. Sem ferir a masculinidade, frisou: Todo homem quer a flutuação de pluma. Toda subjetividade procura se ligar novamente à flutuação uterina do período amniótico paradisíaco. Dentro do mundo em revolução, reconstrói o drama da criação rude do universo em fogo. O seu fracasso. À noite, o descanso, o sono e o sonho são elementos comprobatórios da teoria.

Ela então levitou e começou a beijá-lo ardentemente. Para lembrar a circunstância vital da flutuação.

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