GERAÇÃO COCA-COLA OU FILHOS DA REVOLUÇÃO

Minha geração é aquela que pegou a rebarba da ditadura…

Somos os filhos dos estudantes idealistas que caminharam e cantaram e estiveram exilados e/ou torturados. Crescemos rodeados de cuidados com os livros que líamos e os sons que ouvíamos.

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Em 1984 estudava numa escola técnica, participava de reuniões nem tanto clandestinas, pois aconteciam a céu aberto nos bancos do “Bosque”. Junto aos companheiros articulava invasões à secretaria de educação e - sem temor - lia um livro de nome grande e preocupante: “Olga Benário Prestes – judia e comunista – entregue a Hitler pelo governo Vargas“. Minha mãe, apavorada e antevendo que a história pudesse se repetir, vivia pedindo para que não circulasse com o livro a punho (alías como eu gostara de fazer – mostrando que éramos livres e vivíamos a era de democratizar). Na condição de filha e neta de companheiros silenciados e feridos pelo regime militar - não obedecia.

A ETE Visconde de Mauá ficava na Vila Militar e, zelosa , minha mãe achava que era melhor não bobear nem acreditar totalmente num país que, ainda, não elegia seu Presidente.

Lá no “Bosque da Mauá” começaram a surgir os primeiros convites para participar de reuniões da União da Juventude Socialista. É lógico que fui proibida veementemente de me envolver, mas – ainda que de londe – me envolvia. Pelo país, a campanha pelas “Diretas Já” mobilizava milhões de pessoas, fazendo soprar os ventos da redemocratização. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, centenas de jovens do país inteiro se encontraram no Dia da Juventude, 22 de setembro. O manifesto lido na tribuna, anunciava: “Somos jovens, operários, camponeses, estudantes, artistas, intelectuais, buscamos o futuro e a liberdade, os direitos que nos são negados, a esperança banida, a vontade subjugada…”.

No ano seguinte aconteceu o primeiro Congresso da UJS, em Curitiba superando todas as espectativas com vários debates, shows, teatro e muita confraternização. Acompanhava de londe, mas atenta.

Casei em 1986, ainda que distante, acompanhava todos os acontecimentos e a história que ia se fazendo. Ao fazer a minha própria história ia me sentindo egoísta e sem idealismo aos 20 e poucos anos. Mas era uma questão de escolha. Eu também - ali -exercia a minha liberdade e o meu direito de ir e vir…

Em 1989, logo no início do ano, a UJS lançava um documento chamado “Quem é o inimigo, quem é você”…

Meu filho nascia e eu abandonava, de vez , a causa para ser mãe, esposa e esta eterna inquieta, porém feliz de ter participado dos primeiros passos dessa marcha para um Brasil melhor. Para este Brasil que está aí e que é meu e seu, onde Olga invadiu as salas de exibições e onde se vive a globalização e a era digital . Onde – sentada em minha sala – escrevo este texto, sem pressa e sem a necessidade de submetê-lo ao mimeógrafo¹.

Mas não menos insatisfeita.

Eu quero sempre mais, sou filha e neta da revolução!

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Nota 1 – A geração mimeógrafo também conhecida como literatura marginal, foi um movimento sociocultural brasileiro imediatamente posterior a Tropicália, que era de resistência a ditadura militar e que contava com professores universitários, poetas e artistas em geral.

Seu ápice foi com o livro 26 poetas hoje de Heloísa Buarque de Holanda. Foi um ápice, pois antes a forma de impressão dos poemas era pelo mimeógrafo. Por conta disso os artistas desse período receberam este hepteto.

O outro nome, literatura marginal, se deve ao fato de não serem aceitos em grandes editoras e em grandes galerias, os livros produzidos por esses escritores ou as propostas de arte, planejadas pelos artistas.

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA CONTEMPORÂNEA - EDIÇÃO II

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