PAREDES
 
Amo as paredes do meu quarto. Também pudera. As vi nascerem tijolo por tijolo sobre a argamassa, ficarem adultas nuas e cruas, receberem pele de reboco macio, vestirem-se de combinações brancas cor da cal. Íntimos visceralmente, divido com elas minhas alegrias, angústias, decepções. Viram-me marejar os olhos pela ausência eterna dos meus pais, pela formatura dos meus filhos, presenciam paulatinamente eu degustar pratos de desgostos em molhos de fel, sopas de desenganos, vestem-se de negro em meus porres de solidão. Expandem-se me dando ar em minhas crises existenciais, quedam-se espantadas com minhas masturbações cerebrais. Ficam palidamente discretas em meus “strip-teases” diários, emparedam-me repreensivamente quando imagino ódio, vinganças.
Há rumores de que pretendem vestir a casa em novas cores. Converso com elas. Prefiro-as como estão. Concordam. Elas suspiram quando, à noite, tateio-as metendo as mãos por entre suas combinações bolinando-as, à procura do banheiro.
Amo as paredes do meu quarto. Alvas, nuas, lindas, sem penduricalhos, nutridas de fidelidade.
Joseoli
Enviado por Joseoli em 02/03/2010
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T2115649
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