Ela queria um conto de fadas, mas nenhuma apareceu e da vida ganhou uma história que nem sabe se um conto daria.
Uma vida ansiosa por fazer escolhas certas, ser a pessoa certa cegou-a por muito tempo, impedindo que visse os sinais cada dia mais evidentes do fim que se aproximava.
Há muito não se sentia em casa naquele lugar, sabia que ali nunca mais seria seu lar. Dava-se conta que, por muito tempo, sua única certeza era o desejo de estar longe dali, estar só.
Ansiava por isso agora, para poder pensar sem ser observada, cada mínima reação analisada, como uma cobaia de um novo experimento.
Ela compreendia que seu silêncio, seu equilíbrio, aparente ou não, assustava-as mais ainda. Elas estavam ali porque temiam uma crise de choro, de histeria, caso ela ficasse sozinha.
Com esse pensamento foi tomada por uma vontade insana de rir, rir até chorar, finalmente, não pela dor, mas como uma conseqüência do riso.
Riso ao imaginar o que aconteceria se pudessem escutar seus pensamentos naquele exato momento. Conseguiu imaginar, como se já estivesse acontecendo, os olhares furtivos, sinais mal dissimulados, que traduziam a aflição, o não saber o que dizer
Uma onda de gratidão e afeto atingiu-a ao perceber o quanto estava sendo difícil para as duas amigas, mas não conseguia evitar. Não queria falar, chorar. Sentia-se estranhamente calma diante do estranho vazio em seu peito.
Agora tomava consciência de que sabia que a distância havia chegado há muito tempo levando-os para a solidão que, até aquele momento, parecia eterna.
Até o instante do desfecho triste e silencioso, mais triste pelo pesado silêncio do que pela partida; o que surgira como insuportável sofrimento era, na verdade, a libertação.
Não mais olhar nos olhos de quem há muito estava distante; não mais responder a perguntas que sequer queria ouvir e, finalmente, poder olhar os próprios olhos e reconhecer-se, finalmente reencontrar-se.
Lembrava com estranheza, agora, sua certeza até horas atrás de que não haveria consolo, terra firme, porto seguro quando o sofrimento e a dor tomariam conta de cada mínima partícula de seu corpo, de cada pedaço de seu mundo, daquilo que um dia fora sua vida.
Ficara aterrorizada pelo fantasma da dor e agora a sua ausência era tão natural quanto bem vinda.
Olhou finalmente para as amigas pensando numa maneira de explicar. Poderia começar dizendo que não teve o conto de fadas que sempre quis, mas, também não teve a bruxa que, na maioria deles, também existe.
Que estava quase feliz, pois se não teve o conto de fadas também não foi obrigada a encarar a bruxa e não corria mais o risco de que a amargura a transformasse em uma.
Elas entenderiam, disso tinha certeza.