Transitando na geografia de dona Nini
Da série “minhas mestras inesquecíveis”, lembro hoje da professora Nini Paes, a mestra de geografia. Duas características de dona Nini que eram pura poesia: suas pernas bem torneadas e sua caligrafia harmônica e elegantemente artística.
Alguém que passou a vida toda dedicando-se a lecionar com amor, só pode ser uma pessoa do bem. Assim é dona Nini, uma pessoa do bem. E injustiçada, porque Itabaiana deve a ela todas as homenagens que se possa prestar a uma construtora do saber de uma geração. Nasceu em Pernambuco, de onde veio aos quatro anos de idade e vive aqui até hoje. Jamais teve outra ambição se não a de educar. Um dos maiores nomes da história da educação itabaianense, dona Nini tem essa singularidade: a humildade. Não falaria da contribuição de dona Nini ao processo educacional de várias gerações, mas admiro essa figura principalmente porque ela ficou no imaginário de seus ex-alunos, e isso é primordial quando se quer aferir o valor de uma pessoa. Se você não esqueceu de alguém, é porque essa pessoa teve uma influência marcante em sua vida, claro. A personalidade de dona Nini permeia nossas lembranças de estudantes. Sempre de aparência sóbria, austera e responsável, ela adorava seus alunos.
Dona Nini tinha o controle do nosso imaginário. E isso não é pouco. Nas aulas de geografia geral, a gente viajava no fascínio e encanto do rio Nilo, descendo a África desde tempos imemoriais, nas palavras vivas de dona Nini. Ou realizava uma viagem de sonhos pelas populações de lugares tão distantes como Madagascar ou Turquia. O lago Kioga era nosso remanso, de nadar de braçadas no meio de crocodilos e hipopótamos. O rio Amazonas que era mar, o maior rio do mundo cabia em nossa imaginação, apoiados pela descrição poderosa e impressionante da professora.
“Espero que vocês não desistam de seus sonhos”, afirmou dona Nini em um final de ano, depois de distribuir as notas das provas finais. Alegria e emoção expressos nos seus belos olhos, misturados com certa melancolia por se despedir de mais uma turma, que era sua família afinal, já que nunca teve filhos. Os projetos de vida de cada um daqueles alunos foram subsidiados pelas lições da mestra de geografia, apontando os costumes, os valores, a cultura de povos distantes, os aspectos psicológicos e ideológicos do mundo real, condensados em lições de fantasias e ideais.
Em abril de 2005, fiz uma entrevista com dona Nini para o jornal Tribuna do Vale, que publiquei com o título: “Professora Nini Paes, uma vida dedicada à educação”. Ela confessou que nasceu em Goiana, Pernambuco, de onde veio aos quatro anos de idade para morar no sítio Jacaré, município de Itabaiana. Geracina Lins de Souza Filha foi sua mestra, “a melhor professora que Itabaiana já conheceu”. Para dona Nini, Geracina era uma mestra de verdade, “pena que as novas gerações não tenham conhecimento do seu trabalho”. Na sua opinião, “o ensino atual não forma bem as pessoas, os alunos não têm gosto pelo estudo, as escolas perderam qualidade”. Ela foi a segunda diretora do antigo e famoso Colégio São José de Marieta Medeiros, no ano de 1960. Ao final, a mestra faz um apelo ao poder público para providenciar o tombamento do prédio onde funcionou o Colégio São José. Seria a maior homenagem que se prestaria a professoras do quilate de Dona Nini, Salomé Jordão, Marieta Medeiros e Geracina Lins. Mas acho que as lições de dignidade e respeito aos valores do passado já foram esquecidas, são contemporâneas de mestras com a retidão de caráter de dona Nini.