AMPULHETA
Ontem eu feliz, eu despreocupado, eu traquinas, eu vagabundo pelas ruas do bairro.
Hoje eu desiludido, eu porejando responsabilidades, eu sisudo, eu repleto de tarefas e encargos burocráticos no trabalho diário do escritório.
Ontem o sol, a luz, o dia, o delicioso e inebriante néctar da vida.
Hoje o vazio, as trevas, a noite negra e o cálice amargo da existência.
Ontem a mentira inocente, a poesia, os sonhos bons, a alegria infinita.
Hoje a verdade cruel, a realidade das coisas, os pesadelos, a violência, a decepção total e flagrante.
Ontem a pureza de criança, as crenças ingênuas, o amor pelos outros.
Hoje a mácula de coração adulto, as idéias impregnadas de certo materialismo, o desprezo pelos homens – sádicos, hipócritas, sacripantas!
Ontem a doçura amena da infantilidade, o gesto espontâneo do virgíneo espírito.
Hoje o veneno quente da maturidade, a hipocrisia, o simulacro falso e trabalhado da perfídia d’alma.
Ontem a fantasia.
Hoje a vida como ela é ...
-o-o-o-o-o-
B.Hte., 14/04/61