A MORTE DO PESCADOR
Domingo passado, eu cheguei em casa, de volta do trabalho, às 13h00min. Explico: eu estava participando de uma capacitação para professores que trabalham com a Educação Infantil. Pois bem, pleno domingo, decisão da Taça Guanabara (entre meu Vascão e o Botafogo), para relaxar, eu fui reler a excelente novela (para mim, conto) “A Morte do Pescador”, do meu amigo jornalista e escritor, Mário Gérson.
Rede armada, perto da área de sol, brisa fresca, e eu me peguei devaneando, logo na primeira página do livro. Mário tem um jeito muito peculiar de escrever: ele é fecundo nos detalhes – físicos e geográficos. Assim como, as frases ditas por ele são verdadeiras reflexões diárias, pois ele consegue inserir, no leitor, a certeza de uma participação direta em seus escritos. Talvez até uma reescrita, tal qual aconteceu comigo nesta segunda leitura.
Vi Jorge Jiménez Cabalera (personagem principal), não como um personagem fictício, mas como um cidadão comum, nativo, infelizmente sem a instrução formal, que tem dois objetivos na vida: trabalhar e comer. Para ele, os pequenos detalhes sociais não interessam. A sua maneira rude de lidar com a sua esposa e, principalmente, o seu aspecto grotesco-anatômico lembram muito –segundo as histórias que ouvi contar, pelos mais velhos – aqueles homens que casavam, nos tempos de nossos avôs, e suas esposas e filhos não podiam nem chamá-los pelo nome. Era de uma obediência cega. Assim era na casa de Jorge Jiménez. Para ele, a vida se resumia ao seu universo autoritário – de reclamações e ofensas.
Mário, na sua narrativa nos traz (e eu fico pensando na sua ironia ao fazer isso) a questão do presságio, misturado ao sensitivo, quando a mulher do pescador pressente, através do olhar do mesmo e de uma tontura que a faz sentar-se, a morte chegando para o marido. Assim como acontece em toda família cristã, a reza, através do terço de Nossa Senhora, substituía o calafrio e o mau agouro, apesar de que, a sua sensitividade a fazia ver o seu velho pai – já morto – na mesma cadeira em que o marido estava.
Outra curiosidade do livro é a questão do “quer ser bom, morra”. Mário, através de exemplos da vida comum, discorre na segunda parte do livro, sobre o dia em que Jorge Jiménez, aparentemente, morre. O seu dia é diferente dos demais: ele se torna mais educado, trata bem as pessoas do seu convívio – esposa, filhos e o cachorro – e até paga suas dívidas, chegando ao ponto de se relacionar, socialmente, com alguns pescadores, num dos botecos da vila.
Em seguida, Mário, de novo, trata de um assunto que ainda é pouco discutido entre as pessoas. Algumas por não terem o mínimo de conhecimento; outras, por acharem mórbido, agourento tratar do assunto: Catalepsia. Isto mesmo. Jorge Jiménez cai, diante de todos, parecendo um tronco grosso e forte da floresta amazônica. A incredulidade inicial dá lugar ao alívio que os demais pescadores sentem com a morte do rude pescador – já sem meter medo neles –, ao ponto de alguns passarem a fazer galhofa e ironia da forma como ele morrera.
Aí entra em cena mais uma jogada brilhante da narrativa do escritor: como tornar a morte de alguém, que não era querido, um acontecimento que pudesse unir a todos, inclusive ao seu desafeto na vila? Neste ponto do livro, Mário engendra laços entre o filho de Jorge Jiménez e a filha do seu arqui-inimigo, Frederico Batista, unindo-os em furtivos encontros noturnos. Para completar, o corpo de Jorge Jiménez é levado para o local onde Frederico Batista vai estar. Apesar das chacotas iniciais, o respeito pelo falecimento toma conta de todos e, a partir da chegada da esposa, tudo passa a ser feito com extremo zelo.
Os preparativos para o enterro do pescador são, apesar do acontecimento funesto, uma rica demonstração de detalhes fúnebres. O autor se desdobra nas minudências – desde como o corpo é preparado, passando por quem fora designado para confeccionar o caixão – descrição total do misterioso marceneiro –, até a forma como se “deu” um jeitinho nas tábuas, dobradiças e pregos faltantes para se terminar o caixão (roubadas, pelos filhos de Jorge Jiménez, na oficina de Frederico Batista, seu inimigo – com a ajuda da própria filha do mesmo).
A saída do féretro, em cortejo, pelas dunas da praia, em direção ao cemitério local, é marcada pelo acontecimento maior do conto: o caixão que não aguenta o peso do pescador, se abre, deixando-o cair. Aí se dá a surpresa: Jorge Jiménez renasce feito Fênix e causa o maior rebuliço na vida da vila.
O que se desenrola, a seguir, para o final da história, é algo que o leitor deve atentar em suas reflexões acerca do livro. O rude pescador passa a viver uma vida quase vegetativa, se questionando sem saber se está vivo ou não, servindo de caçoada para os garotos da vila, perdendo o respeito do seu inimigo – que o expulsa de sua casa quando ele vai procurá-lo para acabar a inimizade –, enfim, resta para o pescador a fiel presença do seu cachorro, o cuidado de sua devotada esposa e o abismo entre a realidade à sua volta e a ilusão de seus pensamentos.
Quando terminei a leitura, sorri. Mário Gérson me provou – mais uma vez – que ser mestre em contar não é apenas narrar o fato, mas é, principalmente, dar subsídio a quem lê, de criar sua própria história de pescador.
Obs. O autor autogrando o livro A Morte do Pescador.
Domingo passado, eu cheguei em casa, de volta do trabalho, às 13h00min. Explico: eu estava participando de uma capacitação para professores que trabalham com a Educação Infantil. Pois bem, pleno domingo, decisão da Taça Guanabara (entre meu Vascão e o Botafogo), para relaxar, eu fui reler a excelente novela (para mim, conto) “A Morte do Pescador”, do meu amigo jornalista e escritor, Mário Gérson.
Rede armada, perto da área de sol, brisa fresca, e eu me peguei devaneando, logo na primeira página do livro. Mário tem um jeito muito peculiar de escrever: ele é fecundo nos detalhes – físicos e geográficos. Assim como, as frases ditas por ele são verdadeiras reflexões diárias, pois ele consegue inserir, no leitor, a certeza de uma participação direta em seus escritos. Talvez até uma reescrita, tal qual aconteceu comigo nesta segunda leitura.
Vi Jorge Jiménez Cabalera (personagem principal), não como um personagem fictício, mas como um cidadão comum, nativo, infelizmente sem a instrução formal, que tem dois objetivos na vida: trabalhar e comer. Para ele, os pequenos detalhes sociais não interessam. A sua maneira rude de lidar com a sua esposa e, principalmente, o seu aspecto grotesco-anatômico lembram muito –segundo as histórias que ouvi contar, pelos mais velhos – aqueles homens que casavam, nos tempos de nossos avôs, e suas esposas e filhos não podiam nem chamá-los pelo nome. Era de uma obediência cega. Assim era na casa de Jorge Jiménez. Para ele, a vida se resumia ao seu universo autoritário – de reclamações e ofensas.
Mário, na sua narrativa nos traz (e eu fico pensando na sua ironia ao fazer isso) a questão do presságio, misturado ao sensitivo, quando a mulher do pescador pressente, através do olhar do mesmo e de uma tontura que a faz sentar-se, a morte chegando para o marido. Assim como acontece em toda família cristã, a reza, através do terço de Nossa Senhora, substituía o calafrio e o mau agouro, apesar de que, a sua sensitividade a fazia ver o seu velho pai – já morto – na mesma cadeira em que o marido estava.
Outra curiosidade do livro é a questão do “quer ser bom, morra”. Mário, através de exemplos da vida comum, discorre na segunda parte do livro, sobre o dia em que Jorge Jiménez, aparentemente, morre. O seu dia é diferente dos demais: ele se torna mais educado, trata bem as pessoas do seu convívio – esposa, filhos e o cachorro – e até paga suas dívidas, chegando ao ponto de se relacionar, socialmente, com alguns pescadores, num dos botecos da vila.
Em seguida, Mário, de novo, trata de um assunto que ainda é pouco discutido entre as pessoas. Algumas por não terem o mínimo de conhecimento; outras, por acharem mórbido, agourento tratar do assunto: Catalepsia. Isto mesmo. Jorge Jiménez cai, diante de todos, parecendo um tronco grosso e forte da floresta amazônica. A incredulidade inicial dá lugar ao alívio que os demais pescadores sentem com a morte do rude pescador – já sem meter medo neles –, ao ponto de alguns passarem a fazer galhofa e ironia da forma como ele morrera.
Aí entra em cena mais uma jogada brilhante da narrativa do escritor: como tornar a morte de alguém, que não era querido, um acontecimento que pudesse unir a todos, inclusive ao seu desafeto na vila? Neste ponto do livro, Mário engendra laços entre o filho de Jorge Jiménez e a filha do seu arqui-inimigo, Frederico Batista, unindo-os em furtivos encontros noturnos. Para completar, o corpo de Jorge Jiménez é levado para o local onde Frederico Batista vai estar. Apesar das chacotas iniciais, o respeito pelo falecimento toma conta de todos e, a partir da chegada da esposa, tudo passa a ser feito com extremo zelo.
Os preparativos para o enterro do pescador são, apesar do acontecimento funesto, uma rica demonstração de detalhes fúnebres. O autor se desdobra nas minudências – desde como o corpo é preparado, passando por quem fora designado para confeccionar o caixão – descrição total do misterioso marceneiro –, até a forma como se “deu” um jeitinho nas tábuas, dobradiças e pregos faltantes para se terminar o caixão (roubadas, pelos filhos de Jorge Jiménez, na oficina de Frederico Batista, seu inimigo – com a ajuda da própria filha do mesmo).
A saída do féretro, em cortejo, pelas dunas da praia, em direção ao cemitério local, é marcada pelo acontecimento maior do conto: o caixão que não aguenta o peso do pescador, se abre, deixando-o cair. Aí se dá a surpresa: Jorge Jiménez renasce feito Fênix e causa o maior rebuliço na vida da vila.
O que se desenrola, a seguir, para o final da história, é algo que o leitor deve atentar em suas reflexões acerca do livro. O rude pescador passa a viver uma vida quase vegetativa, se questionando sem saber se está vivo ou não, servindo de caçoada para os garotos da vila, perdendo o respeito do seu inimigo – que o expulsa de sua casa quando ele vai procurá-lo para acabar a inimizade –, enfim, resta para o pescador a fiel presença do seu cachorro, o cuidado de sua devotada esposa e o abismo entre a realidade à sua volta e a ilusão de seus pensamentos.
Quando terminei a leitura, sorri. Mário Gérson me provou – mais uma vez – que ser mestre em contar não é apenas narrar o fato, mas é, principalmente, dar subsídio a quem lê, de criar sua própria história de pescador.
Obs. O autor autogrando o livro A Morte do Pescador.