Houve um tempo...
Houve um tempo em que a gente sentiu saudade. Houve um tempo que a gente sentia vaidade e não era frescura, sentia raiva, dor, e não era stress. Houve um tempo em que a gente sentava na calçada ia chegando vizinho daqui, dali, e tudo era confraternização. Houve um tempo em que a gente não precisava da televisão para sorrir, corríamos atrás de porcos na fazenda, corríamos de boi bravo, subíamos em árvores, passávamos as férias nas casas das tias, em colônias, não existia ou não sabíamos o que era pedofilia.
Houve um tempo em que criança não ia para o psicólogo, quando triste ia para a casa da avó rapar panela de bolo, tomar banho de mangueira, escuta estórias de bicho papão. Houve um tempo em que criança era criança e não morria por maldade. Corríamos atrás de pipa. Houve um tempo em que não existia vídeo game ou computador, brincávamos com lata de leite cheia de areia, equilibrávamos pneus com madeira, balançávamos em árvores, não éramos obesos, não tínhamos diabetes, pressão arterial alta, quando éramos crianças. Houve um tempo em que sonhávamos e não tínhamos pesadelos.
Houve um tempo em que ler não era obrigação, era distração, prazer, não se lia manuais de como viver melhor, como ganhar dinheiro, o monge isso o executivo aquilo. Houve um tempo que os filmes não eram feitos por máquinas, e suas histórias eram simples e arrebatavam aqueles que apenas queriam se divertir com inteligência. Houve um tempo em que não estávamos preocupados em ter, queríamos ser doutores, atores, atrizes, aviadores, sonhadores e não sentíamos vergonha de dizer que éramos poetas, loucos, felizes.
Houve um tempo em que a lua nos seguia, que na rua tinha futebol, peteca, queimada, vizinha brava por que a vidraça foi quebrada, vizinha com uma caneca de açúcar emprestada, vizinha que cuidava dos filhos dos outros como se fossem seus.
Houve um tempo que uma pessoa com dificuldade em carregar sacolas, ajudávamos, sem temer que pensasse que fosse assalto, dávamos nossos lugares nos ônibus para pessoas mais velhas, respeitávamos filas, fazíamos reverência à inteligência, e éramos solidários com aqueles que a pretendiam, pela paciência, persistência e coragem.
Houve um tempo em que íamos para bailes e demorávamos semanas para conquistar um beijo da moça desejada, não existia rapaziada, existia amigos, não se excluía os diferentes, éramos todos iguais. Houve um tempo em que um dia de sol trazia alegria e não esse tal de aquecimento global. Houve um tempo em que amigo era de verdade e não virtual
Houve um tempo que existia uma coisa chamado abraço apertado, acreditem! curava muita doença sem graça.
Houve um tempo que existia praças, bancos, conversas, borboletas, flores, amores. Houve um tempo em que esperávamos dias por uma carta, aflitos por um disco ou livro. Houve um tempo em que gaguejávamos por que a moça que desejávamos nos fez uma pergunta.
Houve tempo em que senti saudade e nesse tempo felicidade não era vendida, era colhida em rostos, em forma de sorrisos, gestos, famílias e amigos nesse tempo o coração batia tão acelerado que espantava solidão, depressão ou qualquer outro bicho papão que nos freqüenta agora. Houve um tempo em que não existia saudade apenas vontade de não estarmos aqui agora.
Paulo Valadares da Silva