CADERNO PAUTADO
 
 
         Sou tão livre que só gosto de caderno sem pauta.
Aliás, percebo que quando me chamo de “desorganizada”, eu estaria querendo falar uma coisa muito mais extensa: mais certa seria liberdade de ser, de criar, sentir, ter sempre o espírito livre. É isso que é ser desorganizado. É um prazo de dispor de mim, dispor da hora e do lugar; usufruir o prazer de assim ser e estar disponível. Aberta. Sentir o ar puro entrar pela janela, passar pelas pernas, refrescando suavemente.
            Nesta disponibilidade, vejo a cortina se movimentar ao sabor da brisa, parece um bailado de xadrezinho verde e bordado inglês branco que eu costurei com capricho e amor.
            Também significa amor, sentir amor pela minha casa, a casa da minha mãe, a casa que ela fez com as suas próprias mãos e a casa que me encantou desde sempre e que, um dia, nós duas andando pra lá e pra cá, curtindo o lugar eu disse:
            “_Mãe, você me dá o Catetinho pra mim?”
            E ela: “_Dou”.
            Um dar tão completo e prazeroso.
            Como as mães são maravilhosas! Mãe dá o que mais ama para filhos com tal prazer! Compreendo agora quando dou as coisas mais preciosas para mim, para meus filhos. É difícil explicar. Não é dar como se aquilo não tivesse valor para eu mesma. Ao contrário, é o prazer maior, mais rico de significados, por que é coisa amada e doada para o filho ou filha adorada. Dado a filhos, não faz a menor falta. Passa a ser dele ou dela.
            E depois que a mãe parte, e a filha se torna mãe também, é que vem a conhecer o prazer de dar, ou doar. Há uma troca de amar. É uma linguagem de amor e confiança.
O Catetinho. A Paz. O ar fresco. O som do silêncio que só tem ruídos da Natureza.
            Meus olhos estão quase fechando.
            A mão toca o jacarandá do sofá, é sabor.
            As gatas se enroscando amorosamente nos pés e pernas.
            Elas são amor também.