LIVRE ARBÍTRIO
Ontem, a madrugada ainda era uma criança e lá estávamos nós num quiosque na beira da Praia de Iracema da minha linda Fortaleza do meu Ceará agreste. Pés enterrados na areia macia, recebendo lapadas de ventos salgados espantando o calor, sorvendo absinto acompanhado de sossegos(*) torrados no óleo e alho com farofa de farinha dágua, quando, de repente um dos nossos, colocou na mesa o Haiti. Abriu-se um bate-boca geral. Sobrou culpa pra todo mundo. “Os cientistas já sabiam do que ia acontecer” dizia um com a boca atolada de sossego. “A culpa é do próprio povo, que já devia ter saído de lá” diz outro cuspindo farofa. Sobrou até pro Lula. “O pessoal aqui morrendo na fila do SUS e o Lula manda um hospital completo pra lá” gaguejou um dos mais idosos com passagem de ida já comprada pro Além. Aí, pra incendiar a madrugada, um que já estava chamando Zé de Cazuza bradou pra todo mundo ouvir: “o maior culpado é Deus”. Menino pense numa putaria(**) decente. O coitado quase que apanha. Um amigo que estava perto de mim pôs panos mornos: “Deus embora onisciente, não pode interferir. Ele deu ao homem o livre-arbítrio”. Foi um alívio, só a palavra livre-arbítrio já calou 70% da turma. Uns nem conhecia a dita cuja, outros já estavam pra lá de Marrakesh para degustá-la. Mas eu guardei a bichinha. Vou dissecá-la e compará-la com o comportamento do Homem, pra ver se Ele realmente está isento das catástrofes que assolam o mundo. Na próxima rodada de absinto na beirada da minha querida Praia de Iracema o tira-gosto vai ser livre-arbítrio com sossego e farofa de farinha dágua.
(*) Camarão miúdo
(**) No meu Ceará agreste, além de ser sinônimo de meretrício também a utilizamos para designar discussão fora de controle, algo fora do comum, essas coisas.
Ontem, a madrugada ainda era uma criança e lá estávamos nós num quiosque na beira da Praia de Iracema da minha linda Fortaleza do meu Ceará agreste. Pés enterrados na areia macia, recebendo lapadas de ventos salgados espantando o calor, sorvendo absinto acompanhado de sossegos(*) torrados no óleo e alho com farofa de farinha dágua, quando, de repente um dos nossos, colocou na mesa o Haiti. Abriu-se um bate-boca geral. Sobrou culpa pra todo mundo. “Os cientistas já sabiam do que ia acontecer” dizia um com a boca atolada de sossego. “A culpa é do próprio povo, que já devia ter saído de lá” diz outro cuspindo farofa. Sobrou até pro Lula. “O pessoal aqui morrendo na fila do SUS e o Lula manda um hospital completo pra lá” gaguejou um dos mais idosos com passagem de ida já comprada pro Além. Aí, pra incendiar a madrugada, um que já estava chamando Zé de Cazuza bradou pra todo mundo ouvir: “o maior culpado é Deus”. Menino pense numa putaria(**) decente. O coitado quase que apanha. Um amigo que estava perto de mim pôs panos mornos: “Deus embora onisciente, não pode interferir. Ele deu ao homem o livre-arbítrio”. Foi um alívio, só a palavra livre-arbítrio já calou 70% da turma. Uns nem conhecia a dita cuja, outros já estavam pra lá de Marrakesh para degustá-la. Mas eu guardei a bichinha. Vou dissecá-la e compará-la com o comportamento do Homem, pra ver se Ele realmente está isento das catástrofes que assolam o mundo. Na próxima rodada de absinto na beirada da minha querida Praia de Iracema o tira-gosto vai ser livre-arbítrio com sossego e farofa de farinha dágua.
(*) Camarão miúdo
(**) No meu Ceará agreste, além de ser sinônimo de meretrício também a utilizamos para designar discussão fora de controle, algo fora do comum, essas coisas.