PRIMEIRA COMUNHÃO

PRIMEIRA COMUNHÃO

... Eu me preparava para a “Primeira Comunhão”. Estudava o catecismo sentada no passeio da loja de Jacyntho Leite, em frente à Igreja do Amparo, pois em casa, as crianças faziam muito barulho. Liginha ia comigo e fazia as perguntas às quais eu respondia qual papagaio, sem nada entender.

Chegou finalmente o dia do exame e depois a confissão. Junto às catequistas, fomos para a Igreja do Rosário. No adro, á porta da igreja tinha um cruzeiro de madeira e dentro dele brotou uma árvore. Coisa esquisita: seria um milagre?

Distraí-me um pouco, sentia-me apavorada pelo exame com o Padre Tavares e Monsenhor Gabriel que já estavam à nossa espera.

- Está preparada, minha filha?

Aquiesci tombando a cabeça.

- Quantos deuses há?

- Há um só Deus verdadeiro e não pode haver mais do que

um.

- Quais são as pessoas da Santíssima Trindade?

- É o Pai, o Filho, o Espírito Santo

- O Pai é Deus?

( ah! já vinha aquela coisa complicada e aborrecida que cada um era Deus, mas que Deus era um só?...)

- Sabe os mandamentos da lei de Deus?

- dez! - primeiro amar a Deus sobre todas ...

- Muito bem!...

(Habilitada, graças a Deus..- Também já fizera sete anos...)

Mal pude dormir naquela noite, esperando o grande dia.

Vestido branco, véu de filó, coroinha de flores, vela acesa na mão, livrinho branco, tercinho e o pior: jejum absoluto a partir da meia noite!...]

Chegou o dia da querida festa

Chegou a hora em que vamos comungar

A inocência brilha em nossa testa

Queremos sempre a Jesus amar!...

- E agora ? acho que engoli um pouco de água quando fui escovar os dentes...

- E a raiva que tive de minha irmã quando ela disse que eu ia comungar de

sapatos velhos?

- E a desobediência por não ter ido cedo para a cama como mandara minha mãe e ficar só olhando minhas coisas novas?

- Se a hóstia colar no céu da boca, a gente não pode tocar com a mão, porque sai o sangue de Cristo, vai fazendo cuspe que ela desce... (segundo me dissera uma coleguinha do catecismo)

... e a garganta seca, a emoção, as velas acesas estalando, e a hóstia colada no céu da boca... e a garganta cada vez mais seca e nem um pouquinho de cuspe para descolar, já que com o dedo não podia tocar na hóstia...

- E Dona Julinha que preparara a Primeira Comunhão, ia andando pela nave do Rosário, bancos colados nas laterais, todo o centro desocupado, e nós ali, firmes. Os óculos na ponta do nariz, pezinho de balé a deslizarem de um lado para outro, a voz anasalada:

Alma de Cristo - santificai-me

Corpo de Cristo - salvai-me

Paixão de Cristo - confortai-me

... e a hóstia colada no céu da boca, não podia mastigar nem tocar com o dedo. e o suor e a sensação de tonteira, e o livro ameaçando fechar, e o cheiro forte das velas escorrendo...

E dona Julinha em passinhos de balé deslizando pela nave:

Eis-me aqui, ó meu bom Jesus...

- DESCEU !!! - Graças a Deus Jesus desceu pela minha garganta e foi direitinho para o meu coração ! Agora, sim, estava feliz e podia ganhar meu pacote de amêndoas...

Trecho do meu livro “SOLO DE MONOCÓRDIO”

(Direitos reservados)

Linandre
Enviado por Linandre em 06/08/2006
Código do texto: T210753