SER ETERNO
Meu relógio biológico está desregulado. O meu dia (24 horas) está pontilhado de cochilos intermitentes. A noite debuta para mim como um dia em “black-tie”. Ontem à noite insone, andei clicando em um dos botões situado no decote semi-aberto da “máquina de fazer doido”. Deparei-me com um cidadão fervoroso num destes canais religiosos, ensinando, de forma didática, como se garantir a eternidade, a eternidade celestial. Grelei (não é bonitinha essa palavra?) os olhos, elastifiquei minhas orelhas, deixei-me emprenhar (um verbo barrigudo) pelos ouvidos: “amados irmãos, atentai bem, estreita é a porta para a eternidade, para a felicidade eterna...”
Desliguei a televisão, mas aquela frase ficou pisoteando meus miolos como se amassando uvas para vinho. Eternidade. Porque todos nós queremos ser eternos? Pausa. Eu não quero. A maioria da humanidade quer. Fiquei a ruminar. Creio que essa tara, a de ser eterno, resulta de sabermos, sem medo de errar, que um dia, “vamos papocar com linha e tudo.” Traduzindo, esticar a canela, vestir o paletó de madeira, morrer... Pois é, a senhora Morte é inexorável. Morremos, e daí? Ninguém se conforma com este fim trágico. Como, um ser inteligente, morre e se acaba tudo? Inaceitável, pensamos. Mas, outra dúvida nos assalta: ser eterno, não morrer nunca, será uma boa? Uma idéia: morre-se aqui, na vida terrena e, outra vida se constitui além-túmulo. Sim, mas que tipo de vida, você sabe? Eu não sei, confesso. Lembro-me aqui de versos de um dos mais notáveis poetas do meu Ceará agreste, Francisco Carvalho:
Enigma de Duas Faces(*):
Os vivos
nada sabem da morte
porque nunca morreram
Os mortos e sua coorte
também não sabem
porque já morreram.
Curto e grosso.
Lendo Máximo Gorki (A Velha Izerguil), um jovem, Larra, comete um assassinato. É condenado pelos anciãos da comunidade a continuar vivendo, para sempre. Larra vive, mas é um infeliz, é eterno. A Morte o despreza.
Convivo com a Morte. Ela beijou-me no ato do meu nascimento, quis sugar-me a Vida. Uma palmada expulsou-a. Entre eu e ela, só o tempo que administro, que ela tenta diminuir entre eu e a cova rasa. Muitos se iludem. Esquecem que são naturais. Nascem, crescem, reproduzem e morrem ponto
(*) CARVALHO, Francisco, A CONCHA E O RUMOR - UFC, Casa Josè de Alencar - 2000