SILENCIO. ESPERANÇA INTERIOR.
Havia certa vez um homem que mantinha sua porta aberta a todos. Um dia fechou-a e não mais recebeu quem quer que seja, e todos batiam a sua porta querendo ouvi-lo novamente sem conseguirem.
Recolheu-se ao seu silêncio, à solidão.
É nesse silêncio que se apagam as ocupações e as preocupações. É nele que se encontra a paz que entra em luta com as distrações todas, amenas ou não, que satisfazem os sentidos ou os deixam em pânico.
É o encontro do que não quer o corpo, mas pede o espírito, a luta forte e decisiva entre o interior, sua mensagem rica e nobre, e o exterior com todas suas conquistas falazes.
Esta a significativa porta que se abre para o encontro com o Deus de cada um, uno e plural isocronicamente, com referências singulares, habitando individualidades espargidas para amplidões, o Deus-interior perdido nas conquistas passageiras e expressivas somente na rapidez do momento, da fugacidade.
Mas não se trata de fuga na acepção do vocábulo, bem ao contrário, de pura realidade, de tangentes palpáveis, podendo-se estar só no meio da multidão como habitual dizer, ouvir falas diversas e sabê-las filtrar na sonorização interior, onde a púrpura nobre que veste virtudes encobre matérias inferiores, e os sons vibram nas cordas e se fundem no pulsar da lira, apontando a esperança embora só sua.
Viver o silêncio não significa cerrar portas e janelas, morrer para o mundo, o que, drasticamente, na ligação com outro mundo, radicalizou o sábio da história que traço.
Estar silente, próprio de alguns, não todos, ainda que sábios e santos, não seria somente mergulhar no eu-só, como fez aquele que cerrou suas portas.
Este é um passo radical no encontro do outro lado ainda nesse, o ingresso definitivo no mundo anímico, o qual podemos antever no silêncio e na meditação, livre e leve ainda que no burburinho do movimento e das influências exteriores.
Nada há de fundamentalismo nesse abraço da existência em plenitude, ao revés.
Desapegado do ensinamento, não mais disponível, o sábio quis entrar definitivamente no mundo que era só seu.
Era direito de escolha como para ela se inclinam monges e religiosos de claustros.
Viver o silêncio e o hermetismo não significa fugir do sol, como se disse, cerrar portas e janelas.
Ninguém é anacoreta do nada, nem intérprete do impossível, do intangível.
Para se ter luz e encontrá-la há de caminhar-se na escuridão. O sol, a luz, precisam ser vistos, agradecidas suas presenças todos os dias.
Muitos querem vê-lo e não conseguem, cegos não vêem e muitos que têm visão fecham as janelas não permitindo sequer que o sol entre em sua sala.
Vários países por seus habitantes buscam e vêem o sol poucos dias ao ano. Assim também as mentes perseguem a compreensão, a luz.
Mesmo nas nações da clássica Europa o sol pouco se mostra, quando acontece, seus habitantes se desnudam nas praças.
É assim também a busca interior onde dúvidas se dissipam pela arte do encontro no desencontro da vida; o encontro do altar interior.
Definido o desenlace perseguido, alcançada a luz, a alma se expõe ao sol das grandes verdades estando no patamar maior a generosidade que se muda em caridade e compreensão.
É esse o oráculo do encontro sofrido, o sol que dá vida, a luz que pode cerrar a cortina da incompreensão e trazer precedente entendimento, fechando a cegueira material ufanista exposta aos menos esclarecidos, sempre a conquistar adeptos no exército mundial da corrida aos valores menores, incentivado e midiático na globalização das vontades.
O sol desde a antiguidade revelava Deuses. Era em muitas culturas o Deus maior.
Fonte da vida, dos alimentos e do calor necessário ao corpo humano.
É este o luzeiro que incandesce e clareia o interior de cada um se encontrado pelo silêncio.
Estar em contato com o silêncio não se alia a ficar recluso sem ver o rio da vida correr em seus vários afluentes.
Para ser silêncio é preciso ser e existir na ausência de silêncio.
Só há silêncio conhecido o não-silêncio, não há causa sem efeito, nem achado sem procura.
Ser mudo podendo falar de tudo, ouvir serenamente sem retrucar, receber humildemente exaltação sem se exaltar, dar sem avaliar e mensurar, são armas do silêncio, são antídotos contra o falar sem nada dizer por desconhecer, perecer cotidianamente por reter sem usufruir ou socorrer, não recepcionar e desaprender por nada reconhecer.
São em princípio os paradigmas que nos dão esperança para abrir a porta do silêncio que vivifica quem na realidade procura a verdadeira vida ou quer distante a incorreção, a não-vida que se reporta a cada instante e se multiplica em vertiginosa escala.
A vida pelo silêncio realiza a outra esperança, a que retira o sabor amargo, féleo, do convívio com as sombras que cobrem a humanidade toda.
O silêncio apaga esta triste nuvem que não passa, transformando a realidade em sonho.
Se havia só desesperança, explica o silêncio essa ausência de valor, e o faz tanto na ocupação como na preocupação, tornando esta secundária e trazendo a outra esperança, a paz em acorde com o ser.
Esses são alguns meios de nos desapegarmos mais e mais do que ocorre na sociedade, do mar tormentoso da vida vivida entre indignação e repulsa, injustiças e desvirtuamentos que não podemos administrar nem interferir, pois como diz a sabedoria humana “palavras o vento leva”.