CIGARRIM DE PAIA
"Carinho, compadre? Carinho de menino, é chicote, peia! Pois menino, é o capeta, compadre!" Era assim, que minha vó falava, com relação aos netos. Eu, que estava sendo criado por ela, principalmente. Muito embora, ela me desse muito carinho. Disfarçado, mas dava. Mas eu, ao contrário, tinha um carinho muito grande por ela. Amor mesmo! Uma grande admiração por ela, pela valentia dela. E pelo sorriso dela! Como era bonito vê-la sorrir. Outra coisa que eu achava bonito nela, era ela fumando. Fumando e rindo, era um espetáculo. E eu tinha vontade de fazer aquilo. Bom, rir eu sabia e podia, agora fumar, estava fora de cogitação. Ela já tinha avisado, que se me visse fumando, fazia eu engolir o cigarro. Meu avô, esse era um crí¬tico ferrenho do tabaco. E era engraçado, que ele não enxergava, mas dizia se eu ver você fumando... Mas ver como? E foi com essa visão, que, eu tomei a mais idiota das atitudes. Vovó, volta e meia, ia visitar tia Clarice, vovô, ficava só, eu sabia onde ela guardava as bitucas de cigarro. É gente, cigarro de palha, é forte, não dá pra fumar de uma vez, tem que dividir. Mas às vezes, a gente esquece que tem uma bituca e faz outro cigarro. No fim do dia, tem um monte delas espalhadas por aí¬. No caso da minha vó, não era assim espalhadas, era num lugar especí¬fico. Aí¬ pensei: vovó sai, vovô fica sozinho, ele não enxerga mesmo, eu venho aqui, acendo um e experimento. Deve ser uma delí¬cia, pois vovó, fuma com tanto gosto! Fuma e ri! Plano traçado, fiquei na expectativa... Vovó saiu, eu fingi, que brincava no terreiro, dei a volta no quintal e pimba! Peguei um levei pra cozinha, tinha um tição que parece que tinha sido feito praquilo. Acendi o danado, puxei a fumaça, aí¬ veio a tosse (já soube de pessoas, que quase morreram asfixiadas pela fumaça do cigarro). A sorte, é que o vô, estava no varandado e não ouviu. Aí continuei ali olhando aquela fumaça saindo, fazendo curvas... mas fiquei com medo de dar mais um trago. E nesse impasse, não sei o que aconteceu, acho, que tonto, pelo efeito do danado, dormi. Acontece que chegou visita pra meu avô, eu distraído, ou dormindo, não vi. Ele preocupado com minha ausência, mandou a visita, d Aurelina (por muitos anos eu tive raiva dela), me procurar. Ela (e foi por esse motivo que eu fiquei com raiva), gritou ou falou, sei lá!: "e tá é fumando?" pronto, lá se vem Raimundo Souza, com o chicote. Agradeci a DEUS, ele não enxergar. Pois nenhuma chicotada me acertou. Hoje, refeito do ví¬cio, lembro da "filosófica" frase de minha avó: chicotada perdida compadre, é aquela que a gente não acerta no menino. Talvez se meu avô, tivesse acertado, pelo menos três daquelas vinte (?) chicotadas, eu não teria convivido tanto tempo com esse abominável vício.
S. Paulo 09/02/2010
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