Mercearia, raiva e afins

A mercearia da esquina tem tudo, não é brincadeira, tem tudo. Começa com o dono com nome estranho: Juvêncio, tudo bem, não me vanglorio de Juvêncio porque sei que quase todas as mercearias de esquina tem um dono com nome estranho, quando nasceram acho que suas mães notaram talento. Para ficar claro não estou falando de bar, não é aquela bodega que vende ovos coloridos e “baianinha”. Estou falando de um hipermercado empilhado em algumas prateleiras.

Precisei de lâmpada, da fosforescente, daquelas em espiral, e azul, fui achá-la atrás da fluorescente não espiralada de luz amarela. Precisei de atum, da latinha amarela, em pedaços, achei-o do lado do atum moído. Até aí tudo bem mas daí em diante resolvi pegar pesado: itens de açougue.

Acém, patinho, costela (é, costela), lingüiça apimentada, moela e sobrecoxa de frango, ok, tudo lá, prontinho e bem debaixo das minhas fuças. “Juvêncio, picanha você tem aí?”, “acabou”.

Já estava se tornando irritante, resolvi pegar pesado, jogar contra, articular. Lâmina de barbear, creme de barbear, detergente, cem gramas de provolone, amendoim, cebola, dipirona sódica, dipirona sódica em drágeas, remédio pra cólica, super-bonder, faca de churrasco, vinho branco seco, soda cáustica, caderno, energético, isotônico, papel de seda colorido, vodka com sabor de maracujá, fita de vídeo oito milímetros, esparadrapo.

Tudo lá, podia até marcar na conta se quisesse.

Na hora de dormir eu pensava e jurava pra mim mesmo “alguma coisa que eu precise não deve ter lá, tem que faltar algo”.

Sábado, duas hora da tarde, crueldade pura atravessando o quarteirão, sorriso maléfico e cortesia ensaiada: “Bom dia Juvêncio, você tem aí sucrilhos?”

Poxa! Sucrilhos é genial, é caro e é símbolo de um consumo de nível mais elevado, pelo menos mais elevado do que um comércio de esquina. Tinha batido uma vontade de comer sucrilhos na tarde de sábado e uma vontade ainda maior de me decepcionar com a negativa.

“Não tem não”.

“Obrigado”.

O puro triunfo.

“É aquele do tigre?”

“Sim.”

“Ali atrás, só tem do pequeno.”