Seja Fevereiro ou Março, o Rio de Janeiro continua sendo...
Avistei!
Um sorriso enérgico dividia os sentidos da tensão, carros passando por mim como se não houvessem leis, motoristas emparelham seus carros e destinam olhares que parecem multas vindas de guardas de trânsito, ando mais um pouco e enxergo contrastes, paisagens belas e morros divididos entre barracos e nuvens, logo me vem a cabeça os clichês televisivos, resisto, mas é impossível brigar contra estes estímulos.
Avistei! ... Rio de Janeiro cheguei!
No som do carro a canção Aquele Abraço de Gilberto Gil para inspirar o momento, estava chegando, e o clima tinha que ser oferecido, me deparo com a famosa ponte Rio Niterói e me pego pensando, que arquitetura grandiosa, talvez esteja aqui a esperança avistada pela maioria das lajes do morro.
Para chegar ao destino precisava passar pelos quatro cantos da cidade, roteiro que observava com riqueza de detalhes.
Se aproximava do fim do ano, e a cidade muda sua rotina para atender seus turistas que vem de toda parte, a proposta muda, a cidade se transforma, todos querem mostrar um Rio medieval, tudo fica mais evidente, pois todos querem estar na foto que será propagada pelo mundo.
Na rua todos se misturam, ricos, pobres, brancos, negros, polícia e ladrão. Preconceito camuflado! Todos gritam com orgulho, – Esse é o Rio de Janeiro, numa briga onde a linha da evidência é o ponto de venda do turismo.
Os Pobres querem que o mundo escute a discrepância social, os ricos exaltam sua qualidade de vida, cercado da segurança fingida, com olhos desconfiados. Brancos e Negros são divididos como nos documentários da áfrica do sul, e Polícia e Ladrão não tem opção, se tornam a forma mais clara de definir o balcão de negócios da tal governabilidade política.
No caminho passo pela Igreja da Candelária, ali mesmo onde cruelmente foram mortos jovens sem perspectivas, me deparo com uma bela igreja, com arquitetura de dar inveja a muitas igrejas européias, mendigos e crianças jogados ao canto do esquecimento dividem o espaço com odor de urina que ninguém se atreve a limpar.
Ruas largas e vazias, assim é o Centro aos fins de semana, turistas nem pensar, estes ficam em Copacabana a mercê dos que gritam mais alto – Esse é o Rio de Janeiro.
Sigo em frente pela Av. Brasil, olho pra trás o centro abandonado vai ficando, já consigo avistar o Pão de Açúcar e o Corcovado, então me dei conta que estava no Rio de Janeiro. As noticias ficavam mais recentes em minha memória, já praticava naquele momento a cultura local, negros eram ameaças a minha integridade física e passei a observar tudo com um pouco menos de detalhes do que gostaria, já que os vidros do carro, transformaram-se em minha própria prisão.
O carro não tinha ar condicionado, portanto transpirava tensão, a vista melhorava, as árvores eram melhores cuidadas, percebi!
No mesmo instante abri aos poucos filetes do vidro para amenizar aquilo que era mistura de cidade tropical e medo.
Chego ao cartão postal brasileiro, Copacabana, lugar realmente privilegiado pela sua topografia, areias largas e brancas com uma curvatura acentuada, uma vista incrível para o Pão de Açúcar, mas não é muito difícil perceber para nós sérvios da metrópole paulistana, que ali não era o melhor lugar para se instalar.
Sentei-me por alguns minutos em um banco que ao lado estava Carlos Drummond de Andrade, numa estátua respeitada e conservada, fiquei ali sentando conversando por telepatia com o gênio, e lhe contei sobre minhas percepções frustrantes, dizia, – Cadê o Rio de Janeiro da televisão, cadê os ricos com seus chapéus e os senhores conservados pelas caminhadas na praia?
A única resposta que me vinha em mente, é um jargão utilizado por meu amigo Bruno,... CÊ NUM SOUBE?
A faixa de areia representava mais ou menos a faixa de gaza da sociabilidade, e Copacabana definitivamente pra mim era o lugar que a TV escolheu para enganar o povo, como um contrato de trégua ao morro, que são esquecidos quando se dão conta, o quão vulnerável se porta essa divisão social, sem mesmo perceber, que o arrastão da contradição se vira contra eles mesmos, massacrando-os e empurrando-os para os morros novamente, sem uma interpretação diferente para os movimentos.
Cheguei ao destino Arpoador, divisa entre Copacabana e Ipanema, linda praia que ao fundo provavelmente tem melhor vista das lajes da Favela do Vidigal, mesmo assim vejo mais confiante a segurança do ambiente, sorrisos impecáveis, corpos sarados, prédios chiquérrimos.
- Logo ali fica a lagoa. Avistei na placa.
- Esse sim é o Rio de Janeiro, quanta qualidade de vida se tem, disse em voz baixa.
- Que tal chegar a noite do trabalho e poder ir a praia, fazer um luau com os amigos, jogar futebol, ir as pedras do Arpoador observar a bela paisagem, tomar uma cerveja com os pés afundados na areia, são muitas opções , mas e o morro?
Enquanto as portas dos comércios se fecham, as portas do morro se abrem, como se o Rio de Janeiro fosse de dia Branco de noite Negro, nessa divisão cruel mais real, que alimenta todo este círculo vicioso, e o pior é que esse mesmo círculo vicioso, é seu slogan turístico, defendido por todos como um contraste bem pago!