A lição do Dalai-Lama


    Estava num restaurante quando a risada descontrolada de um sujeito engravatado veio ferir meus delicados tímpanos.
    Na sua mesa, vizinha à minha, ele tomava coca-cola zero. Não estava, por conseguinte, sob o efeito de qualquer bebida alcoólica; pelo menos aparentemente.
    E no recinto não havia aquela advertência já tão manjada, que diz: "Sorria! Você está sendo filmado."
    Algumas doses de uísque ou algumas taças de vinho até poderiam, não digo justificar, mas explicar sua exagerada euforia.
    Tive vontade de censurá-lo, pedindo-lhe que se contivesse nas suas demonstrações de alegria.
    Correria, porém, o risco de criar um barraco; ou ouvir dele o que os malcriados  ou mal-educados guardam, com prazer, na ponta de suas línguas viperinas: desaforos.
    Limitei-me, então, a repreendê-lo com um demorado olhar que, às vezes, dizem mais do que meia-dúzia de palavras.
    Ele captou meu olhar de reprovação; e me pareceu não ter gostado. Azar dele. Mas ele precisava entender que é muito importante saber sorrir. Não há coisa mais cativante e eloquente do que um belo sorriso.
   E não é somente o sorriso de uma criança que transmite ternura e convence, como se costuma dizer. O sorriso de um adulto, se bem dosado e aberto no momento certo, tem, também, o seu valor e indiscutível significado.
   É preciso - deixe-me dar uma de gato-mestre - não banalizar o sorriso. Isso não quer dizer que devamos economizá-lo. Sorrir - e sorrir muito - é sempre muito bom, apesar de estarmos vivendo um tempo de pessoas carrancudas; ou de sorrisos artificiais.
    O sorriso será légitimo, irretocável,  se espontâneo ,e não estou aqui a dizer nenhuma novidade. Um sorriso espontâneo pode - a prática tem sobejamente demonstrado - desarmar carrancas impenetráveis ou abrandar corações empedernidos.

    Atrevo-me a escrever estas mal-traçadas depois de ler uma matéria, num jornal de Salvador, falando sobre o sorriso do Dalai-Lama, para os seus seguidores, o símbolo da felicidade.
    E esse seu estado de permanente felicidade ele deixa transparecer no seu inconfundível sorriso.
    Diz a matéria, que uma jornalista lhe fez esta pergunta: " Por que o senhor está sempre sorrindo?" Ele justificou, respondendo que ver o outro, um desconhecido, "como se estivesse reencontrando um velho amigo".
    E completou, afirmando que, para ele, "um desconhecido é outro membro da família humana que encontro". Recorde-se, que já não é fácil abrir um sorriso para um conhecido quanto mais para um desconhecido.

    Nos meus momentos de reflexão, não raro lamento que a gente não tenha  imagens do Cristo e dos nossos santos  esboçando pelo menos um leve sorriso.
    Todos aparecem nos altares e fora deles de caras fechadas! Já deve o leitor ter observado isso.
    Por que não um Francisco de Assis sorridente? Nem Giotto nos deixou um Poverello risonho, nos seus franciscanos afrescos.
    Por que não uma Nossa Senhora cheia de doçura, sorrindo pros seus devotos?
    Quando estive na Grécia, procurei, nas igrejas Ortodoxas, belíssimos templos bizantinos, um santo Ícone com um sorriso nos lábios. Não encontrei um sequer. Paciência!
    Mal não faz, pois, que, seguindo a lição do lider espiritual do Tibete, a gente busque cultivar e valorizar o sorriso. Será uma maneira de tornar este mundo velho mais alegre, mais fraterno, menos sisudo...
 
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/02/2010
Reeditado em 10/12/2020
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