A DOCE HERANÇA ITABIRANA
“A DOCE HERANÇA ITABIRANA”.
Eu era um menino solitário, melancólico, oprimido pela educação tradicional embora essa educação fosse ministrada com mais carinho por parte de meus pais.
Mandamentos:
Beija a mão do Pai.
As sete da manha
Antes do café
E pedir a benção
E tornar pedir
Na hora de dormir.
Meu pai era um duro, rígido, mas hoje eu compreendo a profundidade de sua justiça e o seu carinho disfarçado. Sinto falta de meus amigos, às vezes fico possuído de melancolia, vivo muito de lembrança da minha infância, dos meus amigos, talvez seja a tônica da minha vida hoje. Daí a saudade torna-se uma coisa gostosa rica, boa.
Mesmo a essa altura do tempo
Um tempo que já se espira,
Continua em mim ressonado
Uma canção de Itabira.
A fazenda do meu pai ficava perto da cidade, então eu ia pelos caminhos, chupando jabuticaba, tomava banho de cachoeira e, mesmo na fazenda gostava de ler, pedia revistas emprestadas.
Meu pai montava cavalo, e ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho, menino entre mangueiras.
Lia a história de Robson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
Eu era muito introspectivo e tinha, desde pequeno, o gosto pela leitura de jornais, revistas.
...e eu não sabia que a minha história era mais bonita que
de Robson Crusoé.
Não havia luz elétrica, eu lia à noite à luz de vela.
Meu pai, preocupado, ia até o meu quarto e apagava a vela.
Eu ficava dormindo.
era brinquedo Maria
era uma estória Maria
era uma nuvem Maria
era uma graça Maria
era um bocado Maria
era um mar de amor Maria
era uma vez era um dia
Maria.
Eu guardo satisfação da minha infância, mas tenho péssima memória. Então eu comecei escrever em versos. Em versos não há necessidade de descrivismo; você não penetra a fundo; da uma outra versão da coisa.
Eu trabalhava no JB e alguns dias do mês eu me sentava e dizia: Hoje vou fazer quatro poemas sobre Itabira. Então fiz uma lista das coisas de Itabira. Fiz uma lista das coisas de Itabira que eu me lembrava; minhas histórias, meus parentes, os moradores, os estranhos que apareciam por lá. Eu pegava aquilo a frio, mas um frio diferente, porque na realidade eu estava com a minha cabeça cheia de lembranças de Itabira, do colégio, que eu queria tirar pra fora.
Subir no Pico do amor
E lá de cima
Sentir a presença do amor...
As brincadeiras que eu fiz eram simples, como tudo era simples em Itabira no começo do século.
Brincava de carnaval tomando parte num “bando” de meninos que se fantasiavam e depois partia para uma mesa de doces.
Fazia exercício pelo campo e era ligado a natureza.
Banheiro de menino, a Água Santa.
Lavava nossos pecados infantis
ou lembra que pecado não existe?
Sinto-me intensamente municipal e nostálgico, e de novo a ladeira do Bongue, revejo Chico Zuzuna, e o velho Elias do Cascalho, feiticeiro africano, o poço da Água Santa, os coqueiros de espinhos na estrada do Pontal, o pequeno cemitério do Cruzeiro guardando meus parentes e os filhos das manhas serranas, as namoradas intocáveis no alto das sacadas de arabescos, tudo isso misturado, longínquo e próximo, nítido cheirando absurdamente o jasmim e perdido.
Já não vejo onde se via
Aquele esbelto coqueiro do Batistinha...
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...Nesta cidade do Rio
de dois milhões de habitantes
estou sozinho no quarto.
estou sozinho na América.
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No elevador penso na roça.
Na roça penso na cidade.
Na sensação de paz, que os velhos aspectos de Itabira nos provocam, é sucedida no fim de algum tempo, pela sensação de monotonia.
Parece que toda paz é assim, e que o ser humano, mesmo considerando a um bem supremo, sente falta da agitação e do mundo.